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OS MELHORES FILMES DE 2019

Minha lista comentada sobre os melhores filmes que assisti em 2019


1- Joker (Todd Philips). Premiado no Festival de Veneza em 2019. Filme que cria uma gênese do personagem Coringa da DC, através da história de Arthur Fleck, um aspirante a stand up, que possui diversos distúrbios mentais, pobre, solitário, subempregado, e que assisti sua vida se desintegrar em fatídicos dias de humilhação, revelações e desespero. Obra-prima absoluta deste século, um filme que esta causando repercussões sociais no mundo inteiro. Joker é como um raio-x da sanidade mental de nossa era.



2- Parasita (Bong Joon-ho). Filme do diretor sul-coreano. Premiado em Cannes 2019 com a Palma de Ouro. Assim como Joker temos uma família do lumpesinato, completamente disfuncional, como foco no fracasso do chamado “Sonho Asiático”. Uma profunda análise, e por vezes cínica, do abismo social entre duas famílias opostas e de como a fuga da realidade e um mundo de aparências ocas podem reuni-las, de forma bizarra e trágica. Considero ao lado de Joker (2019), os dois melhores filmes do ano passado e também deste século, ambos com temática similares e que denunciam e atacam o neo-liberalismo, a alienação política e a hiper-naturalização fantasista de nossa era, frutos do individualismo, perda de direitos, massacre das organizações sindicais e consumismo desenfreado. Os dois filmes não elaboram respostas, mas expõe este quadro lastimável e decadente da sociedade moderna, principalmente do lumpesinato e dos que não tem voz, seja na mente de um desajustado e doente mental (Joker) e uma família disfuncional (Parasita). Estes filmes são como a Esfinge que lança uma problemática que os líderes políticos progressistas, os ambientalistas, sociólogos, cientistas políticos, profissionais da saúde mental, Ongs tem que se posicionar e responder, para não serem devorados por este monstro do pós-modernismo e pela ganância monstruosa do neo-liberalismo. São filmes que além da perfeição técnica e artística são marcos sociológicos que representam, como um raio X, e propõe este desafio e questionamento temporal, existencial e político como obras do passado como: Crime e Castigo, Hamlet, A Divina Comédia, Cidadão Kane, Guernica, Vertigo e outras obras que ficaram eternas pela suas enormes contribuições.



3- O Farol (2019) Robert Eggers. Do mesmo diretor de A Bruxa(2017), Eggers retoma o tema sobrenatural/terror psicológico, agora em fotografia preto e branco de 35 mm, para contar a história de confinamento e espiral de loucura de dois faroleiros, William Defoe e Robert Pattison. O Farol, inspirado em relatos de marinheiros da costa da Nova Inglaterra no séc. XIX, transformado em crônicas por Hermann Melville, autor de Moby Dick, também contém elementos de contos do mestres de horror da literatura, Edgar Allan Poe (Maelstrom) e Lovecraft (Call of Cthulhu), além de mitos como Davy Jones e sereias. A presença opressora da natureza da ilha, com seus ventos fortes, chuvas intermináveis, gaivotas assombradas, canto de baleias e o isolamento da própria ilha formam um terceiro personagem capaz de conduzir e catalizar o torvelinho de insanidade que se instala nos dois protagonistas que dão um verdadeiro show de interpretação. Primo direto de duas obras primas deste ano, Midsommar e O Rouxinol, além de parentesco com os geniais Joker e Parasite, o Farol nos brinda com uma das maiores obras primas do cinema deste século e um dos maiores filmes de terror da história, ao lado de Psicose, O Bebe de Rosemary, Exocista e o Iluminado, além de semelhanças com a Hora do Lobo de Bergman. Não é um filme digestivo e para o público comercial. O Farol é uma obra de arte e esta entre os três melhores filmes de 2019, juntamente ao lado de Joker e Parasita.



4- Bacurau (Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles). Ganhador do prêmio Especial do Júri do Festival de Cannes de 2019. Mistura de sci-fidistópico, western caboclo, horror gore, com claras referências cinematográficas que vão de Glauber Rocha, John Carpenter, Luís Sergio Person (seu filme inacabado “A Hora dos Ruminantes”), e até mesmo no clássico de horror: Zaroff, o Caçador de Vidas (1932) de Ernest B. Schoedsack. Um grupo de estadunidenses ricos e psicopatas ameaçam as vidas dos moradores de uma vila conhecida como Bacurau, no sertão nordestino. O filme teve uma enorme repercussão no Brasil, de crítica e público, que apesar de ser um filme voltado para o circuito do cinema de Arte se tornou uma das maiores bilheterias do País, principalmente por diversas alusões ao avanço da extrema direita neoliberal, da pobreza, das destruições dos direitos civis, no Brasil e no Mundo. Obra-prima do Cinema Nacional, um dos melhores já feitos na história do Brasil.



5- Retrato de uma Jovem em Chamas (Céline Sciamma). Realmente uma obra-prima. Assisti no último dia do ano e foi uma grata surpresa. Filme maravilhoso em todos os sentidos. esta entre as grandes obras que tem como um retrato como personagem, assim como "O Retrato Oval" de Poe, O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde, Vertigo de Hitchcock, Laura de Preminger, O Retrato de Jennie de Willian Dieterle. O retrato, neste filmes, são como a busca do eterno, a captura da alma, do belo, da essência, que atravessa os tempos e desafia a morte. Revela algo mais que o olhar que não consegue ver, só apenas com o conhecimento, o convívio e os segredos revelados, assim como em Blow Up de Antonioni, ou mesmo os signos semióticos do retrato de Carlotta em Vertigo. Este filme tem o fascínio, como nestes outros clássicos, porque o público e o artista busca esta essência, esta beleza, esta imortalidade.

O filme também esta entre as grandes obras clássicas do amor proibido, onde a paixão foi sempre condenado, desde Eros e Psique, Orfeu e Eurídice (obra chave nesta película), Tristão e Isolda, Abelardo e Heloísa (nome também da personagem do retrato) e diversas outras obras, principalmente as do século XIX, no auge do romantismo, como nos livros das irmas Brontë, Jane Eyre e O Morro dos Ventos Uivantes. Realmente não faltam elementos românticos do século XIX, como a Mansão pouco habitada e a luz de velas, praias belas e com ondas tempestuosas, lindas moças com seus vestidos longos e expressões tristes.

A paixão maldita ganha mais peso ainda por ser uma paixão homo-sexual, de duas mulheres, uma libertária, mas tendo que se submeter as normas patriarcais até mesmo no meio artístico, e uma jovem prometida em casamento por convenção da mãe, Valério Golino(ainda belíssima) que quer casar a filha para satisfazer seus próprios interesses. Esta maldição ganha a área do trágico, não do Melodrama novecentista, ou da tragédia grega, apesar de estar simbolicamente vinculada ao mito de Orfeu e Eurídice, comentado e pontuado em algumas cenas, mas do trágico íntimo, secreto, doloroso, que não desafiou as convenções ou ousou se mostrar a público, do amor que durou apenas cinco dias, mas também na eternidade (no retrato). O desfecho é uma das cenas mais belas do cinema, ao som de uma das composições mais magníficas, o Inverno de Vivaldi. Nota 10. Esta entre os cinco melhores deste ano, atrás de Joker, Parasita, O Farol e Bacurau.



6- Era uma Vez em... Hollywood (Quentim Tarantino). Nono filme de Tarantino que tem como pano de fundo a Hollywood de 1969, quando a paradisíaca e ensolarada Meca do Cinema e seus luxuosos bairros,como Bevery Hills,foi palco para um dos crimes mais famosos do século XX. Só que nesta adaptação Tarantino nos fornece um final diferente, à sua maneira, assim como fez em “Bastardos Inglórios”. Sua visão de Hollywood desta época é como hino de amor a um período que provavelmente o formou como um ardoroso cinéfilo, ainda muito jovem. As atuações de Brad Pitt e Leonardo DiCaprio são as melhores de suas carreiras que expressam as crises, a incerteza sobre o futuro, o medo, e o verdadeiro sentido da amizade, performances tocantes e viscerais. O filme também tem uma maravilhosa trilha sonora escolhida a dedo por Tarantino, toda diegética, como sons de toca-fitas, rádio, TV, que fazem uma camada nostálgica, emocional que emoldura cenas de passeio de carro, As maravilhosas danças de Margot Robbie como Sharon Tate, e até cenas de ação e suspense, perfeito. Esta trilha faz tributo a um filme deste período: Na Mira da Morte(1968) de Peter Bogdanovich, que foi o 1º filme a usar uma trilha totalmente diegética. A Direção de Arte é sem dúvida uma das melhores já feitas para a história do Cinema, de uma riqueza de citações gigantesca, que se perdem no olhar, pela rapidez e fluência, mas que constroem uma volta no tempo em tom de homenagem, afetuosa e generosa para este universo da cultura popular da tv e cinema dos anos 60. A fotografia é uma das mais belas do ano, juntamente com a de Joker. Tarantino nos ofereceu um dos seus melhores filmes, ganharia todos os prêmios, se não tivesse tantos concorrentes em um ano que promete ser um dos melhores da história do Cinema.



7- Middsomar (Ari Aster). Como em 2018 o diretor Ari Aster nos legou o melhor filme de horror do ano. Midsommar é diferente de qualquer filme de horror que já assistimos. O mais próximo desta obra-prima fundamental é o filme austríaco de 2017 “A Maldição da Bruxa”. Com uma proposta de fazer um filme em um local conhecido por ter pouquíssimas horas noturnas, conhecido como sol da meia-noite. Assim como em seu filme anterior, Hereditário, a personagem principal é gradativamente absorvida por uma seita secreta até perder sua identidade, isto somado ao trauma de tragédias familiares. Um estudo de horror psicológico que remete aos clássicos de Roman Polanski na trilogia do apartamento (Repulsa ao Sexo, Bebe de Rosemary e o Inquilino), com muita luz, lente grande angular, bizarrices antropológicas, trilha sonora opressora e claustrofóbica, contrastando com os cenários amplos e abertos, e de um crescente lisérgico angustiante. Obra-prima.



8- Dor e Glória (Pedro Almodovar). Um dos melhores filmes já feitos por este genial realizador espanhol. Obra-prima sensível e um estudo sobre a memória, culpa, amores reprimidos, nostalgia, e a própria verve e musa do artista que dá forma, cores, emoções e alma aos filmes de arte do Cinema. Dor e Glória é arrebatador, Almodovar com sua habitual paleta de cores quentes e memória iconográfica dá vida a sua própria memória, assim como Fellini deu a sua em filmes como 8 e ½, Roma, Amarcord. A Atuação de Banderas é tocante e um das melhores de sua carreira e seu personagem dá uma dignidade e reflexão a sua crise de meia–idade, a culpa que carrega por anos pelo abandono da mãe, sua doença e calvário que pesa em sua coluna, seus amores e a própria crise artística em relação aos seus filmes. O que resta de sua vida, em suas desilusões e fracassos e mesmo a glória e reconhecimento que ficou passado é o seu legado de memórias, que mesmo fugidias e até enganadoras, registados na película cinematográfica.



9- Vingadores, Ultimato (Antony Russo e Joe Russo). Obra-prima do gênero. Encerramento da saga originada há onze anos, iniciado comO Homem de Ferro(2008), fecha com “Chave de Ouro” os vinte e dois filmes da franquia, que por mais incrível que pareça, por serem filmes baseados em heróis de quadrinhos, foram indexadas com ótimas críticas e pontuações no IMDb. A compreensão principal destes acertos foram às escolhas felizes de toda uma equipe de atores, diretores, técnicos, e principalmente por terem sido realizados em um período em que os avanços na CGI e da arte dos efeitos especiais poderiam dar forma perfeita ao universo mitológico em HQ. O filme também é muito focado no luto, na perda e na tentativa de reconstrução. Como na fala de Tony Stark no belo Trailer de Ultimato: “perdemos família, perdemos amigos, perdemos parcialmente nós mesmos...”. Não foi assim que aconteceu com as famílias no Brasil, com o Golpe de 2016 e mais ainda com a vitória da ultradireita em 2018, porque também perdemos família, amigos, direitos, perdemos parcialmente nós mesmos. É só lembrar dos fiascos como os filmes “Z” do Homem-Aranha nos anos 70, Quarteto Fantástico de Roger Corman, ou mesmo as séries de TV do Hulk e Mulher-Maravilha, heróis superpotentes diluídos em tramas policialescas comuns e vilões meia-boca.Vingadores Ultimato cumpre seu papel de representar seus ideários lançados nas HQ. em diversas décadas: a luta contra o fascismo, luta a favor dos direitos civis e a luta novamente contra o avanço segregatórios e supremacia branca nos EUA e no mundo, após o 11 de setembro. Um quadrinho específico do Capitão América que se une ao Falcão Negro contra manifestantes fascistas que defendiam campo de concentração para americanos islâmicos. Nos anos 70, capitão muda seu uniforme ufanista para o negro e cinza, devido ao escândalo de Watergate e a continuidade da guerra do Vietnã. Este uniforme foi incorporado em Guerra Infinita.Por fim temos um dos mais belos e emotivos finais da história do cinema dos últimos anos, ao som de um foxtrote a La Benny Goodman, criado pelo sensacional Alan Silvestri, um close de um beijo, com uma fotografia com nuances no dourado.



10- Jojo Rabbit (2019). Nota 9. Belo filme que surpreende, devido a propaganda de ser uma obra controversa e polêmica gerada pela reação de público e de alguns críticos, mas na verdade é um libelo contra a guerra, o fascismo, a truculência política, o fanatismo e propaganda do ódio, o fabricamento de mentiras do poder unilateral, racista e monstruoso. Todo o filme é visto pelos olhos de uma criança de 10 anos, amado pela mãe, mas infelizmente bitolado pela massificação nazista direcionado a todo o povo alemão. Mas durante esta narrativa, acontece a transformação na mente do menino, ao destruir seus ídolos de barro e se humanizando gradualmente, principalmente pelo contato e conversas que tem com uma refugiada judia. Ótimas atuações, principalmente Scarlett Johansson, que deverá ganhar premiações este ano por este papel na categoria de melhor atriz coadjuvante ou pela sua atuação em História de um Casamento por melhor atriz. Belo filme.



11- Os Dois Papas(2019) Fernando Meirelles. Meirelles conseguiu dirigir seu primeiro grande filme, uma obra-prima. Um filme de uma importância extremamente oportuna em nosso tempo que confunde Jesus Cristo com um psicopata miliciano armado, política com feudalismo e reforma trabalhista com escravismo. O humanismo do filme é gigantesco e contagiante. Passei a ter simpatia e perdoar o antigo Papa Bento, que também o chamava de nazista, como vários personagens episódicos do filme. A estranha amizade que se insinua se fortalece nas duas horas desta película é emocionante e inspiradora. O sentimento e busca do verdadeiro cristianismo, hoje tão falsamente deformado pela maioria dos fiéis e religiosos, é preenchido em cada frame do desenrolar progressivo deste poético e político filme que engrandece a amizade, o caráter, o poder de se renovar e mudar, no amor solidário a todos os marginalizados, rejeitados, desamparados deste mundo que o Papa Francisco acolheu em sua trajetória de ser um Cristo na terra, como nunca houve, salvo raríssimas exceções, com João XXIII e João Paulo I.



12- O Traidor (2019) Marco Bellocchio. Um pequeno épico sobre a Máfia, que não teve o milionário orçamento bancado pela Netflix para o Irlandês, mas soube contar, durante a sua duração de 2 horas e trinta e oito minutos, boa parte da história e o Ocaso da Máfia Italiana, quando se iniciaram as delações e julgamentos dos chefões e caposdas principais famílias. As delações investigadas pelo principal Juiz, que trabalhou contra a Cosa Nostra, Giovanni Falcone, tiveram como principais colaboradores os soldados Tommaso Buscetta e Salvatore Contorno. Buscetta, sobrenome que causava constrangimento ao oficial de justiça responsável por sua prisão no Brasil em 1984, é o personagem principal deste grande filme do veterano Marco Bellocchio, que na idade de 80 anos realiza mais uma de suas obras-primas, talvez a mais ambiciosa em termos de produção, nº de figurantes, sets de filmagens, além da cuidadosa direção de arte que abrange diversos períodos históricos (teve um erro grosseiro na escolhas dos carros usados em uma das cenas finais, na seqüencia da morte de uma vítima de Buscetta no final dos anos 60, na cena noturna dá para perceber que os faroletes traseiros dos carros eram de modelos atuais). Mas o Traidor nos convida, assim como o Irlandês, a penetrar no asqueroso mundo da Máfia, que foi glamorizada por Coppola na trilogia O Poderoso Chefão, transformando gangsteres em heróis, mas que nestes dois filmes, temos o distanciamento necessário para julgar moralmente a vida destes bandidos atormentados pelo medo. No caso do personagem principal de o Irlandês, Frank Sheeran (Robert De Niro), fica muito difícil qualquer tipo de identificação com o público, já que era um assassino frio que pintava paredes com sangue à traição, apesar do personagem passar por uma expiação moral e rejeição de sua própria família por ter sido encarregado de assassinar o seu melhor amigo, o famoso sindicalista Jimmy Hoffa (Al Pacino). No caso de Buscetta, o público consegue ainda ter alguma simpatia pelo personagem, já que o mesmo se posiciona firmemente contra as novas direções das famílias da Máfia, se opondo ao tráfico de drogas, que segundo a sua ética profissional e pessoal, feria os princípios originais da Cosa Nostra, a de destruir vidas de jovens, crianças e famílias. Buscetta torna-se pária em seu meio e é obrigado a fugir para o Brasil, mas as represálias assassinas do chefe siciliano Pippo Calò, atinge a sua família em um rastro de sangue (morte de dois filhos e parentes) e mais de 160 vítimas. Durante boa parte do filme vemos Tommaso firme em sua luta, como testemunha protegida pelo Estado, em denunciar e provar a veridicidade de seus argumentos e fazer justiça para punir os seus ex chefes. Mesmo quando estava em um exílio nos EUA, levando uma vida confortável com a sua família, volta à Itália após a morte criminosa do Juiz Falcone, que tinha se tornado amigo, e jurado, se algum deles morresse, o sobrevivente continuaria na cruzada de perseguir a Cosa Nostra. Mas Bellocchio nos lembra, antes de elegermos Buscetta como herói nesta guerra, que ele também era um assassino frio, que mata um pai de família após uma festa de casamento de seu filho. Neste mundo os heróis são todos de barro.

O Traidor é um dos grandes filmes deste ano e conseguiu ser mais impactante que a superprodução O Irlandês do grande Scorsese. Nota 10.



13- Honeyland, filme-documentário macedônio de 2019 dirigido por Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov, com Indicações dos Oscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem. Realmente este inacreditável filme é um acontecimento. Utilizando as técnicas do Cinema Verdade, que foram usadas no passado por diretores como Robert Drew, Jean Rouch, e os irmãos Albert e David Maysles, aliados a cinema antropólogico de Robert Flaherty de Nannok, o Esquimó, os diretores de Honeyland acompanham uma pobre velhinha apicultura da Macedônia, sua relações atribuladas com uma família de emigrantes nômades turcos, sua atenção pela sua mãe doente de 85 anos, além de seus gatos, cachorro e sua abelhas. Um dos filmes mais belos e emocionantes dos últimos anos. A dedicação e estoicismo desta sofrida, mas esperançosa figura, que consegue sobreviver à margem do sistema capitalista e globalizado, apesar de fazer algumas poucas incursões na cidade grande, para vender sua limitada produção de mel, comprar alguns mantimentos, bananas que divide uma por vez em cada refeição com sua mãe, e até mesmo tintura para cabelos, mesmo sem nunca tirar o lenço de sua cabeça. O filme gira todo em um ciclo, de estações, mudanças, tristezas, alegrias, perdas e luta pela sobrevivência emocional e física. Hatidze Muratova, a velhinha do filme, é uma heroína cativante em sua simplicidade e humanismo, personagem real e ao mesmo tempo icônico, por nos dar uma lição de vida por lutar todos os dias sem esmorecer, embora transpareça sua dor em diversas cenas do filme, mas que resplandece em uma força, quase a mesma força da natureza que se renova a cada perda, cada estação, e as ações predatórias da humanidade. Sua comunhão com esta força vital e com a natureza é traduzida com muita beleza com magnífica fotografia do filme e a topografia árida do local. Um filme para se rever de tempos em tempo. Uma verdadeira obra-prima deste gênero. Um dos melhores filmes de 2019, um ano que ficou na história do cinema. Nota 10.



14- Uncut Gems (2019) Josh e Benny Safdie. Noir contemporâneo, com uma tremenda e surpreendente atuação de Adam Sandler que dá uma guinada na sua carreira de comédias esquecíveis, exceto o seu trabalho em Embriagado de Amor (2002) de Paul Thomas Anderson. O filme ainda tem boas surpresas como a estreia da atriz, bela e sensual, Julia Fox, e a participação dos atores veteranos Eric Bogosian e Judd Hirsch. A direção e a montagem também são destaques além do roteiro perfeito que dá argamassa para este labirinto em que o público é levado vertiginosamente na trajetória deste personagem louco e compulsivo. O personagem trágico de Sandler é como um Ícaro dos tempos modernos, de liquidez moral e ganância sem limites, como se o mundo fosse acabar naquele instante. Nota: 9.



15- Entre Facas e Segredos -Knives Out (2019). Mais um grande filme de 2019 de um tema bem britânico "Quem matou?', mas que o mistério é revelado bem no início do filme, mas é recheado de suspense, já que estas tramas conhecidas por whudunnit Hitchcock já alertava que eram cansativos e repletos de clichês, afirmação que eu concordo.

Neste grande filme, do genial Rian Johnson, diretor da obra prima "O Último Jedi (o melhor da saga Star Wars), soube intercalar filme de detetive a la Poirot, com o ótimo Daniel Graig, indicado ao Globo de Ouro por este papel, e o drama humano e ao suspense puro, ao nos identificarmos com a honesta personagem de bom coração, interpretada por Anna de Armas. O verdadeiro suspense esta nesta identificação do público, que se emociona, sofre, torce até o último frame. Nota 9. Também um dos melhores filmes de 2019.



16- O Rouxinol (2019). mais uma obra-prima da diretora Jennifer Kent de Babadook(2014). Este drama claustrofóbico, misto de terror com western, se passa em 1825, na Austrália colonizada pelos ingleses, que não passava de um presídio a céu aberto. Desde "Sob o signo de Capricórnio" de Hithcock, ambientado no mesmo lugar e época, não assisti um filme que torturasse uma personagem feminina com tanto sadismo. Em o Rouxinol, o desespero, a loucura, o ódio, a melancolia e o lirismo se misturam neste road movie de imensa beleza. A interpretação de Aisling Franciosi é a mais poderosa deste ano, um misto de vulnerabilidade e força, que reprisam a marcante atuação de Essie Davis em Babadook, também a melhor interpretação feminina de 2014. Destaque também para a interpretação do ator Baykali Ganambarr, um dos maiores personagens neste ano. O vilão, interpretado pelo galã Sam Claflin, subverte o conceito de vilões de aparência dura. A bela trilha sonora, fotografia, montagem reforçam o espectador a seguir esta jornada de loucura e sadismo por mais de 2 horas e dezesseis minutos até o triunfante e poético final.



17- O Irlandês(2019). Scorsese decepciona um pouco neste épico sobre este drama histórico que tem a Máfia e os sindicatos de caminhoneiros dos EUA como pano de fundo. Apesar da produção caprichada da Netflix, infelizmente não temos mais aquela direção febril de Scorsese que se notabilizou nos clássicos sobre este tema como Os Bons Companheiros, Cassino, Gangs de Nova York e sua última obra-prima "O Lobo de Wall Street". Este projeto tão acalentado por anos e que criou tanta expectativa aos fãs de um bom cinema acabou sendo prejudicado pela intenção de manter o elenco original que foi escolhido anos atrás e que hoje são atores que beiram aos oitenta anos.. Vemos De Niro, Al Pacino, Joe Pesci rejuvenescidos por computação gráfica, mas não vemos a vitalidade necessária em seus corpos em cenas que exigem o vigor, quando são representados como jovens. O andar cansado de De Niro quando é representado em sua juventude é uma distorção que quebra a magia do filme e nos distrai da cadência do filme, algo inimaginável nos filmes anteriores de Scorsese. Al Pacino ainda consegue brilhar no papel de Jimmy Hoffa, mas De Niro mais uma vez vez burocrático (parece que ele não consegue mais se livrar do piloto automático e de sua cara mal humorada que repete há uns vinte anos). Uma pena já que o roteiro aprofunda em resolver um dos maiores mistérios da política e investigação criminal dos EUA e a parte técnica do filme é perfeita, a trilha sonora, com temas musicais dos anos 50, 60 e 70 bem apropriados, como na seqüencia que toca o clássico de Waldir de Azevedo, Delicado, com arranjo de Percy Faith. Outro tema musical muito bem escolhido foi o tema do filme Le Grisbi de Jean Wetzel, música melancólica e crepuscular que age como fundo emocional de Jean Gabin, um gangster idoso no clássico de Becker, assim como cai como luva no personagem de De Niro, também idoso e amargurado. O encarregado por compor as músicas do score, o guitarrista Robbie Robertson se apropria do tema de grisbi, fazendo algumas variações reforçando o leitmotiv da harmônica com o som de uma guitarra, que ficou muito apropriado nas cenas. Como sou um fan ardoroso de Scorsese dou nota 9. É um filme para assistir nos cinemas ou num telão.



18- Ad Astra(2019) James Gray. Incursão existencial no gênero sci-fi com ecos mitológicos. Neste filme o astronauta Roy McBride (Brad Pitt) é escolhido para encontrar o pai, também astronauta, desaparecido há 29 anos nos anéis da Netuno, considerado o responsável por descargas elétricas que atingem todo o sistema solar. A trama toma que meio emprestado o argumento de Coração das Trevas de Joseph Conrad, associando o personagem Kurt com o enlouquecido e Bigger than life, comandante astronauta, Clifford McBride (Tommy Lee Jones).Seu filho, apesar de estar confuso com a reviravolta em torno de seu pai, que passa de herói e seu modelo a vilão e destruidor de mundos, assume a missão de contatá-lo, e quando é proibido de prosseguir, continua sua busca como clandestino. Por fim, ficamos com a frase de Freud na cabeça, a de que precisamos matar psicologicamente o nosso pai, como um Édipo cósmico. Nota: 9. Um dos melhores filmes de 2019, sem dúvida.




19- História de um Casamento (2019) de Noah Baumbach. Talvez o filme mais perfeito deste diretor que utilizou de elementos biográficos para contar a história de um feliz casamento que acaba, porque simplesmente o amor entre o casal acabou. Os personagens vividos pelos atores Adam Driver e Scarlett Johansson são apresentados nos dez minutos iniciais através de carta relatos de um sobre o outro de forma cativante e comovente que nos faz apaixonar por este casal e depois sermos conduzidos, durante as suas trajetórias, pelos sinceros sentimentos de perda, dor e de reconstrução de vida quando se perde o amor. A atriz Laura Dern dá um show à parte, como advogada de Johansson. Nota: 9.



20- Uma das duas atuações femininas até o momento, neste ano de 2019, é a de Kate Blanchett em "Cadê você Bernadette?" de Richard Linklater. A personagem de Blanchett, uma arquiteta avant-garde, afastada de suas criações para se dedicar a maternidade, esta em meio a uma crise existencial e emocional sem controle. Blanchett já havia feito uma personagem similar ao encarnar a artista conceitual Marina Abramovic, na série cômica Documentary Now(2019), com brilhantismo. Neste filme de Linklater, uma comédia com tons dramáticos, Blanchett novamente dá um show de interpretação, que mistura delírio, fragilidade, esquisitice, genialidade e um profundo sentimento de maternidade, realmente tocante. O filme no todo é muito bom, um dos melhores da carreira de Linklater, e fica aquela pergunta porque esta comédia sincera e humanista afundou na bilheteria, será que o público esta cada vez mais insensível e idiotizado. Acho que sim.



21- Judy (2019) Ruppert Goold. Nota 8. Belo filme sobre os últimos meses de vida da diva da clássica Hollywood, uma das maiores cantoras todos os tempos, Judy Garland, que vivendo um período de desgaste emocional e artístico, se envolve em uma série de concertos em Londres em 1968. A Atriz Renée Zellweger faz sua melhor interpretação de sua carreia e sem dúvida, a melhor de 2019, merecendo todos os prêmios nesta temporada de festivais de cinema. Emoção pura. Um dos melhores deste mágico ano.



22- A Beautiful Day in the Neighbourhood(2019) Marielle Heller. Mais um emocionante filme deste final de 2019, baseado em um artigo da revista Esquire, do jornalista Tom Junod sobre o maravilhoso apresentador de um programa infantil Fred Rogers, um verdadeiro ícone da Tv nos EUA, e um dos maiores ativistas pela educação e infância da História, quase um santo, e em minha opinião um dos maiores seres humanos que já existiu. Conheci a existência sobre o trabalho de Fred Rogers no documentário “Won't You Be My Neighbor?” (2018), realizado por Morgan Neville, que foi inacreditavelmente ignorado pelas premiações como o Oscar. A série de Kidding de 2018, com Jim Carey, dirigido pelo genial diretor francês Roger Gondry, também se inspira neste maravilhoso humanista e recomendo para quem tiver curiosidade em conhecer Roger, assistir a série, o filme e o documentário. O filme recebeu críticas contra os roteiristas e produtores que adaptaram o artigo transformando-o em algo mais atraente para o grande público, com ganchos mais comerciais, mas não tem como não se encantar com o plot do jornalista e sua gradual reflexão e transformação de seu ódio e mágoas do passado em aceitação, perdão e reformulação do sentimento de paternidade, ao ter Fred Rogers, não apenas como entrevistado, mas como amigo e guia para a sua transformação de seu ódio em amor. Hanks esta impecável como Rogers e não consigo ver outro ator a encarnar este ícone da bondade. Nota 8.



23- Doutor Sono (2019) é um filme de um dos grandes especialistas do gênero na literatura, Stephen King, e dirigido pelo excelente diretor de filmes de horror Mike Flanagan. A história é uma continuação de O iluminado, 40 anos depois, focado na vida amargurada de Danny Torrance, alcoólatra como o pai Jack, solitário e assombrado pelos fantasmas do passado. Sua paranormalidade já não é como na história original quando tinha cinco anos, e foi alvo de perseguições de almas condenadas no Hotel Overlock, assim como do próprio pai, títere alucinado de espectros malignos, que se tornou uma das maiores interpretações da história do cinema pelo genial Jack Nicholson. Estou falando de O Iluminado de Stanley Kubrick, marco na história de filmes de horror e um dos maiores filmes já realizados. Stephen King não gostou nada dos resultados de sua obra nas mãos de Kubrick, talvez porque o mestre do cinema conseguiu dar uma profundidade ao seu livro, superando esta obra literária de forma surpreendente.Na época os críticos torceram o nariz para esta nova aventura de Kubrick, chegaram a colocar entre os candidatos ao Framboesa de Ouro (Oscar dos piores filmes do ano), provando que os críticos estadunidenses em geral não conhecem nada do seu ofício. Além de gerar milhões de fans, se tornar um dos filmes de horror mais cultuados da história (Eu mesmo tenho vários itens colecionáveis), várias análises através dos anos de críticos, psicanalistas, filósofos foram publicadas, como também inspirou a criação de um documentário super interessante, Room 237 (2002) de Rodney Ascher, que explora várias mensagens ocultas e cifradas no filme, segundo várias teorias de diversos depoentes.O filme de Kubrick cresceu tanto, seduzindo seguidores, apreciadores e pesquisadores, que Stephen King resolveu escrever uma variação do romance, acrescentando novos personagens, novos monstros e um retorno ao assombrado Hotel Overlock. A questão maior e mais duvidosa, é a de que King, ao tentar pelo menos criar uma continuação, mas que fosse ao mesmo tempo original e inovador, e que tivesse trunfos para sair da sombra que seu romance de 1979 ficou confinado pela genial adaptação de Kubrick. Para isto, King, que já esta com seus 72 anos de idade, teria que extrair algo diferente de sua imaginação, que recicla vários temas, já há diversos anos, de forma repetitiva e com pouca originalidade. O que acabou acontecendo é que King se inspirou, para criar os novos monstros para dr Sleep, no livro Ghost Story, a obra-prima de seu colega Peter Straub, que é para mim um dos maiores histórias de terror já escrita.Em Ghost Story, Starub criou uma sociedade de criaturas multi-morfos, que ora são aparições, fantasmas, vampiros, insetos e até lobisomens. Estas criaturas assombram e matam moradores do Maine (Nova Inglaterra, região de King também) como também de outras cidades, remontando eras de existência desta maléfica sociedade secreta, que também já foi até associada a O.T.O. de Aleister Crowley. Não sei se os críticos literários e os de cinema fizeram esta associação, mas para mim ficou muito claro, principalmente pela personagem de Alma Mobley com a personagem de Doctor Sleep, Rose the Hat, interpretado pela belíssima atriz Rebecca Ferguson, que é impressionante neste papel, hipnótica, sensual e assustadora. Mas não seria para menos, esta personagem, com idade bíblica, estaria rivalizando com os grandes arquétipos de monstros femininos, como Lilith, Hécate, Circe, Lâmias, Efígies, monstros que foram deusas do matriarcado, mas condenadas pelo patriarcalismo da Idade Clássica para o limbo das histórias de horror, contadas em tradição oral em volta de fogueiras. O grande trunfo de Doutor Estranho se reside nesta personagem e seus seguidores.Já o pobre e angustiado Danny Torrance, apesar de termos forte empatia pelo personagem, ele é apenas a sombra e escada de uma nova presença, a menina Abra Stone, que tem poderes psíquicos que chamam a atenção e a cobiça. de Rose the Hat.Não vou entrar em detalhes na história para não gerar spoliers, mas para complementar a minha análise só quero dizer que quando acontece o esperado confronto das forças do bem contra as do mal, usando o cenário do Hotel Overlock, para mim foi uma grande decepção. Neste embate King, e não acredito que foi culpa de Flanagan, já que o diretor apenas seguiu o livro e não quis contestar seu autor, atropelou o climax, com jumpscares desnecessários, utilizando toda a galeria de fantasmas, como as gêmeas Grady, que no filme de Kubrik realmente assustavam, ou remetiam a um estranhamento cósmico perverso, ao utilizar fantasmas de ricos, como se diretor de Laranja Mecânica ironicamente quisesse dizer que até no limbo os 1% dominam e estão se divertindo fazendo maldades com os pobres mortais de classe média e classe baixa. Uma pena mesmo. O peso e o fantasma de Kubrick continua assombrando King. Nota 8.



Iury Salk

3 Comments


Outros grandes filmes de 2019 merecem menção como "Luta pela Justiça" e "O preço da Verdade"

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Ótimo post Iury. Preciso ver os que não vi.

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excelente análise. Parabéns

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