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Foto do escritorIury Salk Rezende

Vingadores Ultimato (2019).

Vingadores Ultimato(2019). Nota:10.

Análise com pouquíssimos spoilers, nada reveladores e bem camuflados.

Obra-prima do gênero. Encerramento da saga originada há onze anos,iniciado com O Homem de Ferro(2008), fecha com “Chave de Ouro” os vinte e dois filmes da franquia, que por mais incrível que pareça, por serem filmes baseados em heróis de quadrinhos, foram indexadas com ótimas críticas e pontuações no IMDb. A compreensão principal destes acertos foram às escolhas felizes de toda uma equipe de atores, diretores, técnicos, e principalmente por terem sido realizados em um período em que os avanços na CGI e da arte dos efeitos especiais poderiam dar forma perfeita ao universo mitológico em HQ. É só lembrar dos fiascos como os filmes “Z” do Homem-Aranha nos anos 70, Quarteto Fantástico de Roger Corman, ou mesmo as séries de TV do Hulk e Mulher-Maravilha, heróis superpotentes diluídos em tramas policialescas comuns e vilões meia-boca.

A saga dos Vingadores veio a agradar tanto a geração que acompanhou o nascimento da franquia, assim como os velhos fãs das HQs, num percurso longo, arriscado, caro que foi felizmente bem sucedido e coeso. Isto não aconteceu com projetos ambiciosos e bem fundamentados como a série Guerra nas Estrelas, com o fiasco das prequels, Star Treck , X-men, ou mesmo o Sr dos Anéis, devido a irregular e caça-níqueis saga Hobbit, sem falar dos filmes da DC, exceto a Trilogia “Cavaleiro da Trevas” de Nolan.

O certo é que super-heróis é um fenômeno sociológico que está arraigado na pisque por vários séculos, através de suas origens mitológicas e religiosas, de Gilgamesh, Zoroastro, Deuses e semideuses gregos, Jesus, Buda e todo o tipo de mito, tão bem definido por Joseph Campbell e seu conceito lendário de “A Jornada do Herói”.

Tudo começou com o adolescente de ascendência judaica, Jerry Siegel que levou um argumento a seu amigo, o desenhista Joe Shuster, também adolescente, e juntos criaram o primeiro super-herói dos quadrinhos. Se o teórico de cinema Siegfied Kracauer tivesse desviado um pouco suas atenções sobre o cinema Expressionista, e também focado na origem do super-homem, talvez tivesse incluído esta história em HQ, entre as obras citadas em seu livro “De Caligari a Hitler” para tecer sua teoria sobre como os artistas, aguçados de uma premonição extemporânea, poderiam prever o surgimento do horror e o holocausto nazista. Não que as histórias juvenis de um superatleta, super-homem não voava neste período inicial, estivessem alertando sobre a onda de ódio e segregação e eugenia, mas que na verdade, o público da época, estavam carentes de um herói, com superpoderes, capaz de enfrentar Hitler, como de fato aconteceu na maioria dos Quadrinhos durante a Segunda Grande Guerra. Um destes heróis se destacou ao dar uns bons tabefes e socos na cara do ditador alemão, o primeiro Herói da Marvel, Capitão América.

Os super-heróis nasceram desta égide, forjada na política do new deal, na política progressista de economia keynesiana de Roosevelt, nas alianças com o governo soviético para combater o fascismo e na luta pela a “Guerra Justa”. Estes ideais foram frutos pelo combate de uma crise provocada pelos excessos do liberalismo econômico que resultou na queda da bolsa de 1929. Podemos afirmar que foi o único período em que o governo dos EUA inspirou confiança e respeito histórico, juntamente com os ideários de John Payne e Thomas Jefferson pela independência, apesar que não devemos esquecer-nos dos genocídios de índios e negros nos séculos XIX. Enfim, este período durou pouco com o fim da Segunda Guerra conquistada pela destruição de duas cidades japonesas e o inicio de um poderio militar e intervencionista sem precedentes e sanguinário, com dizimações de populações de civis no Timor Leste, Camboja, Coréia, Vietnã, Afeganistão, Iraque, Linha Vermelho, Operação Condor, torturas, golpes de estado e vários crimes contra a humanidade, que poderia ser sintetizadas na frase de Noam Chomsky, de que todos os presidentes que sucederam Roosevelt deveriam ser executados em praça públicas por seus crimes.

É sobre esta premissa que Guerra Infinita e Vingadores Ultimato são construídos, sobre os ideários dos estadunidenses mais caros e talvez intocáveis. É como um retorno ao Éden, a uma América dourada e romantizada em filmes no auge do cinema hollywoodiano, dos anos que vão de 1935 a 1945, nos filmes de Chaplin, John Ford, Frank Capra, William Wyler, John Huston e muitos outros que abraçaram um patriotismo honesto, a favor do povo, da construção de uma nação livre e que combatia a ameaça fascista, apesar de que quem primeiro levantou esta bandeira antes do ataque de Pearl Harbor, foi Chaplin em o Grande Ditador.Já os produtores judeus de Hollywood, não estimularam a realização de filmes que atacassem à Alemanha, mesmo ciente que seus iguais eram prisioneiros em campos de concentração, por não afetarem seu mercado na Europa que se convertia, ou que já tinham instalado o fascismo (França, Itália, Espanha, Portugal, Noruega).

Também sobre estes ideários outra base tão ou mais importante é a defesa e a valorização da família. Para os vingadores a família é um objeto de desejo, algo que foi perdido, mas pode ser resgatado na parceria de seus colegas heróis. Temos o Homem de Ferro, que no 1º filme era um playboy hedonista, solitário no meio de seus carros esportes e na companhia de modelos, que ficou milionário graças a herança de um império fortalecido na fabricação de armas, mas que consegue fazer sua mea culpa, quando é feito prisioneiro e passa a desenvolver sua persona de herói, rompendo com a comercialização bélica e se convertendo a ser um defensor justiça. Também, de forma bem diferente, foi a gênese de Capitão América, um raquítico cidadão do Queens, idealista e patriota, que tentava se alistar para combater Hitler. Depois de uma conversão de uma experiência científica, pelo jovem pai de Tony Stark, ganha forças sobre humanas, que inicialmente só foi aproveitado para fazer propaganda de bônus de Guerra, mas diligentemente assume sua persona de herói, se apaixona, e em um embate de sacrifício foi congelado por 70 anos. Depois de descongelado assume em liderança e estoicismo o grupo que se formava para combater forças imperialistas cósmicas. Também podemos citar Thor envolvido com intrigas palacianas e conflitos com seu irmão Loki, Viúva Negra, órfã, mas encontrou forças para trilhar o caminho da justiça através da amizade e apoio do seu colega Gavião Arqueiro, este, o único com família, mas dividido entre a militância do bem ou a segurança e o conforto do lar.

A questão do herói dividido entre o dever, o sacrifício de ter uma vida normal, vivendo com a esposa e filhos, ou vice-e-versa, é um dos pilares na construção deste arquétipo. Este auto sacrifício é uma das etapas na “Jornada do Herói” que Campbell formulou. Podemos até citar a entrevista do Lula feita em 26/04/2019, que apesar de sofrer de reveses trágicos como perda de sua esposa, irmão, melhor amigo e netinho, apesar de toda a sombra que ameaça sua vida por uma prisão injusta, sem provas, articulados e executados por detratores da Democracia e interesses corporativos, para que não exerça a sua liderança e militância, ele não cogitou a possibilidade de exílio ou mesmo uma conversão aos interesses escusos do atual poder. Suas palavras de força e dignidade reforçam esta persona de líder e herói. Sua opção pelo povo, mesmo que este tenha migrado ao eleger um candidato que vai aprofundar mais o abismo e a destruição dos direitos deste mesmo povo que o elegeu, realça sua força, sabedoria e uma visão supra pessoal, ao abraçar o épico, o coletivo, a luta histórica, não mesquinha e combativa. Lula afirmou, que mesmo com as tragédias pessoais, o objetivo é a defesa da democracia, a luta pela defesa dos direitos do povo e o desmascaramento de seus algozes e os malucos que assolaram o governo do Brasil.

Encaro os dois filmes que fecharam a bem sucedida saga dos Vingadores como uma catarse destes sentimentos que vivemos atualmente, certamente uma alusão política dos tempos atuais. Thanos simboliza em Guerra Infinita como uma manifestação moderna da “mão invisível” do liberalismo de John Stuart Mill e John Locke, em conter a superpopulação, sem distinguir classes, diferente dos fundadores do neoliberalismo.Deste vilão apocalyptico, mas imparcial, Thanos se transforma no super-vilão destruidor de mundos, com pretensões eugenistas, no Ultimato.

O filme também é muito focado no luto, na perda e na tentativa de reconstrução. Como na fala de Tony Stark no belo Trailer de Ultimato: “perdemos família, perdemos amigos, perdemos parcialmente nós mesmos...”. Não foi assim que aconteceu com as famílias no Brasil, com o Golpe de 2016 e mais ainda com a vitória da ultradireita em 2018, porque também perdemos família, amigos, direitos, perdemos parcialmente nós mesmos.

Lembro que o filme “Kong, na Ilha da Caveira” (2017) muito subestimado e muito criticado pela crítica e público, possui também os mesmos elementos abordados em os Vingadores Ultimato. Lá estavam também personagens que dicotomizam uma América, separadas por dois mundos. A do país que lutou a guerra justa, representado pelo náufrago soldado da segunda guerra, interpretado pelo ótimo John C. Reilly, e a da América do markatismo, delações, intervencionismos, golpes genocídios representado pelo general interpretado por Samuel Jackson. Por fim fica claro que a mensagem de Kong, na ilha da caveira é de um saudosismo de uma era intocada pelos erros, guerras, crimes de uma América dominada por corporações da indústria bélica. Este filme termina com o retorno do herói para casa, para que Reilly pudesse voltar assistir um jogo de futebol, comendo um hot-dog, agora na frente da tv junto com a família.

Este ideal saudosista, esta América dourada, este retorno a casa é a síntese de Vingadores Ultimato. Este Retorno ao Lar faz parte da trajetória do Herói, assim como o sacrifício do mesmo, sua elevação metafísica, representado no holograma de um dos personagens capitais e finalmente o regresso ao lar de outro personagem capital, após o dever cumprido.

Vingadores Ultimato cumpre seu papel de representar seus ideários lançados nas HQ. em diversas décadas: a luta contra o fascismo, luta a favor dos direitos civis e a luta novamente contra o avanço segregatórios e supremacia branca nos EUA e no mundo, após o 11 de setembro. Um quadrinho específico do Capitão América que se une ao Falcão Negro contra manifestantes fascistas que defendiam campo de concentração para americanos islâmicos. Nos anos 70, capitão muda seu uniforme ufanista para o negro e cinza, devido ao escândalo de Watergate e a continuidade da guerra do Vietnã. Este uniforme foi incorporado em Guerra Infinita.

Por fim temos um dos mais belos e emotivos finais da história do cinema dos últimos anos, ao som de um foxtrote a la Benny Goodman, criado pelo sensacional Alan Silvestri, um close de um beijo, com uma fotografia com nuances no dourado. Entram os créditos e boa parte do público, na grande maioria bem jovens, que devem ter acompanhado desde a infância os primeiros filmes da MCU, ficam esperando talvez pelo easter eggs, aquela cena ou gag que será o gatilho para o próximo filme. Infelizmente, ou melhor, felizmente esta cena não aconteceu,pois é o fechamento de um ciclo que encerra com perfeição, com final romântico, que me faz lembrar de Paulo Francis em uma frase sua ao criticar os filmes blockbuster dos anos 80 ao dizer que tinha saudades dos filmes que terminavam com um beijo na boca, mas agora terminam com um chute no saco. Na saída vejo a felicidade destes jovens, alguns posando com suas fantasias cosplay em frente ao fabuloso e gigante cartaz de os Vingadores. Todos levando, , assim como eu também, uma lembrancinha do filme como um pote de pipoca e copos de plásticos com a arte publicitária de seus queridos heróis.

Iury Salk

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