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Roda Gigante(2017) de Woody Allen

Woody Allen vem nos últimos anos nos brindando com alguns filmes brilhantes, alternados com outros bem abaixo de sua consagrada carreira de diretor, ator e roteirista. Seus melhores sucessos de crítica são acompanhados com o de público, como aconteceu com os excelentes: Match Point (2005), Meia-Noite em Paris (2011) e Blues Jasmine (2013). Por outro lado suas produções esquecíveis, como: Escorpião de Jade(2001), Melinda e Melinda (2004), Para Roma com Amor(2012), Você vai Conhecer o Homem dos seus Sonhos(2010) e seu penúltimo Café Sociaty(2016), nos fazem questionar o seu enorme talento. Temos que entender que a compulsão metódica de Allen em produzir novos roteiros em sua velha remington o coloca como o Roberto Carlos do cinema, no que se refere a produção, não a qualidade, ao ter que produzir um filme por ano.

Woody não é o recordista em número de filmes dirigidos, John Ford realizou mais de cem em sua longa carreira, mas o diretor de Manhantan, através de seus roteiros intricados e filosóficos, estrelados sempre por diversos talentos, diálogos verborrágicos, e inúmeros personagens fotografados por gênios do cinema, o elevam a um status dificilmente atingido no mundo cinematográfico, a de uma imensa produção de filmes de qualidade, rivalizada por poucos, como: Bergman, Hitchcock, Hawks, Kurosawa e Billy Wilder. O único ponto alto de seu filme anterior, Café Society(2016), foi a fotografia do três vezes oscarizados, Vittorio Storaro, poeta das luzes e cores, capaz de dar uma profundidade metafísica aos cenários e personagens. Stotaro, um discípulo da escola de mestres fotógrafos do cinema italiano como Gianni Di Venanzo e Tonino Delli Colli, foi a escolha certa para Allen extrair significados psicológicos em seus personagens, através de sua palheta. Mesmo com uma fotografia requintada e artística, sua usual boa escolha na trilha sonora e bons atores, Café Society é um dos seus filmes mais constrangedores e simplórios, devido a uma trama previsível e repleto de lugares comuns, velhas gags retiradas de seus filmes antigos e um vazio psicológico e ausente densidade dramática.


Em Roda Gigante, Allen retoma sua bem sucedida parceria com Vittorio Storaro, agora para retratar sua imaginária Coney Island nos anos 50, assim como Fellini retratou sua Rimini em Amarcord(1972). Allen, como Fellini, são diretores famosos por fundir memória biográfica em seus filmes, e neste, que leva o nostálgico título, faz referência a uma de suas melhores gags, a do diálogo de “Noiva Nervosa, Noivo Neurótico(1979), que ao visitar a casa, onde viveu a infância e adolescência, disse aos amigos: “...Falam que sou um pouco nervoso e neurótico, mas também morei nesta casa que ficava debaixo de uma Roda gigante por toda a minha adolescência”.


Woody é acusado como o mais fiel discípulo de Ingmar Bergman, mas na verdade, o cineasta que mais o influenciou foi Federico Fellini, em filmes como: Memórias, A Rosa Púrpura do Cairo e A Era do Rádio. Assim como nos últimos filmes de Fellini, Allen utiliza em Roda Gigante de um narrador felliniano para contar sua mais nova história, encarnado pelo astro da música pop, Justin Timberlake, um salva vidas, com pretensões à dramaturgo, que esbanja um verniz intelectual para seduzir a protagonista do filme, a garçonete bovariana e balzaquiana, interpretada pela atriz Kate Winslet.


Allen, durante a sua carreira e principalmente nos últimos vinte anos, tem bebido de fontes literárias e teatrais para compor seus roteiros e personagens. A influência mais recorrente é a de Dostoeivski, que além de grande escritor era também grande conhecedor de filosofia, assim como Woody. Crime e Castigo, obra-prima de Dostoeivski, é o livro mais influente nos roteiros que fez para os filmes: Crimes e Pecados(1989), Match Point(2005), O Sonho de Cassandra (2007), que também possui ecos de “Os Irmãos Karamazov” e o Homem Irracional(2015). Para Allen o “Mal metafísico” e a banalização da culpa são temas tratados na filosofia com ramificações na sociologia e analisados principalmente na sociedade burguesa do século XIX em diante, sobre a máxima de Ivan Karamazov: “Se Deus está morto, Tudo é Permitido”. O Crime e a leviandade dos personagens inspirados em Raskólnikov, nos filmes de Allen, são elementos que os levam à falência moral. O assassinato ou mesmo a parceria indireta, como acontece em “Roda Gigante”, e a fuga para um refúgio e a ausência de culpa, e não ser responsabilizado pelo crime, são os temas comuns nestes filmes dostoeivskianos de Allen, onde seus personagens recorrem ao simulacro, geralmente para um mundo do passado, falsamente distorcidos na memória. Assim são os personagens de Roda Gigante: O pretenso dramaturgo Dom Juan, interpretado por Justin Timberlake, leviano por seduzir e a protagonista sonhadora e insatisfeita, encarnada por Kate Winslet, ao evocar lugares exóticos e românticos como Bora Bora, onde poderiam viver sua paixão.


Após deixar a balzaquiana perdidamente apaixonada, passa a cortejar a enteada da amante, vinte anos mais jovem, através de encantos reforçados de um verniz intelectual. Já Kate Winslet, cansada da vida que levava com um marido gordo e grosseiro, interpretado por Jim Belushi, vive a reclamar de enxaquecas e falar do passado, foi presa fácil para os encantos do jovem salva-vidas. Temos várias indicações que Kate casou com Belushi por expiação pela culpa da morte do 1º marido, causada por uma traição inconsequente. Do primeiro casamento Winslet teve um único filho, um piromaníaco incorrigível, que passa a ser completamente ignorado pela mãe, quando esta arruma um amante. Durante o filme o menino vai aperfeiçoando sua técnica e alvos de seus incêndios, chegando a quase incendiar um prédio ocupado. Este personagem é quase uma metáfora da irresponsabilidade moral dos protagonistas. O padrasto ignora o enteado e a mãe, quando tomou uma iniciativa em roubar as economias do marido, gastou com um relógio caríssimo para o amante em vez de pagar as consultas do psiquiatra do menino, também vítima dos incêndios. Já o marido, um completo apaixonado pela esposa, dizendo sempre que não era capaz de viver sem ela, é outra vitima da leviandade do sonho e da fuga da realidade, adorando uma imagem idealizada, que não o satisfazia como companheira, e em nada tinham em comum. Esta paixão hipnótica também é um tema caro de Dostoeivski, encontrado principalmente em Os Irmãos Karamazov. Por esta paixão o personagem de Belushi ficou cego da traição e do roubo, ficando refém de um ideal cada vez mais distante da realidade. O leitmotiv teatral do filme, crime e fuga, foi belamente iluminado e fotografo por Storaro, revelando códigos e signos internos dos personagens, na volúpia de suas emoções e devaneios. Storaro utilizou a técnica de uma iluminação bem irrealista, através dos neos, que realmente faziam parte dos cenários do Carnival de Coney Island. Assim como Robert Burke iluminou fantasmagoricamente Kim Novak em Vertigo(1958) com um neon verde, e nos filmes de Wong Kar Vai que foram brilhantemente fotografados pelo mestre Cristopher Doyle, Storaro utiliza do artificialismo do neon para iluminar a alma de seus personagens, principalmente pela volátil mudança das cores, alternando entre o vermelho e o azul. Durante todo o filme o teatro também é tema para conversas entre os personagens. Assim como Allen reforça suas referências de forma explicita, como colocar a vista o livro Crime e Castigo em filmes como Match Point e O Homem Irracional, em Roda Gigante, livros e falas sobre dramaturgos, geralmente sobre a tragédia grega são uma rubrica para o destino trágico dos personagens. A personagem de Kate faz uma alusão direta a dois personagens do teatrais: Blanche DuBois de Um Bonde Chamado Desejo de Tennesse Willians e Fedra de Racine. A personagem de Blanche DuBois, já tinha sido utilizado na Obra-prima Blue Jasmim, com Kate Blanchett. Em Roda Gigante Allen faz explicitas citações ao incorporar a persona de Blanche em Kate, como: reminiscências do passado, quando era uma jovem e aspirante a atriz; nos adereços teatrais que guardava como jóias; uma culpa do passado; por gostar de homens mais jovens; e sua alienação no terço final, quando mergulha na culpa por não avisar a enteada sobre seus assassinos. Ela se veste com um figurino dos seus tempos com atriz, que mal lhe cabe, e outros adereços, deixando-a patética e meio louca a recitar uma frase sem sentido. Já a personagem de Fedra compõe uma outra faceta da personagem, como uma balzaquiana, entediada com o casamento, fantasista pelo amor platônico (no filme era real) é a pivô e causa da tragédia e morte de um familiar, a enteada. Todo este lote de referências, brilhantemente citados e inseridos em mais uma trama que remete a Crime e Castigo, prova que Allen novamente é capaz de nos legar um filme belo, instigante e filosoficamente reflexivo. Com Roda Gigante Woody disseca estes habituais personagens, frutos de uma sociedade de cultura de massa, irreflexiva, irresponsável e fantasista. Bovary, Blanche, Raskólnikov e Fedra na Disneylândia pequeno burguesa de Coney Island dos anos 50, made in America. Vale lembrar que o Título "Roda Gigante" é uma metáfora do Mito Grego "A Roda da Fortuna" ilustrando um torvelinho de angústias, fantasias, encantos e desencantos, quando no topo a vida sorri e na descida a tragédia e alienação.


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