top of page

“O último Jedi” (2017)

“O último Jedi” (2017) é o título do episódio VIII da saga iniciada por George Lucas no ano de 1977 em “Star Wars, Uma Nova Esperança”, criação cinematográfica mais cultuada pelos fãs do gênero Fantasia, sci-fi e aventura da história do cinema mundial. George Lucas revelou que a saga seria um projeto de nove filmes, em três gerações distintas, iniciada pelo episódio IV, que conta às aventuras do herói Luke Skywalker, Princesa Lea, o pícaro e carismático contrabandista Hans Solo, além do super-vilão Darth Vader.


Lucas tinha intenção de homenagear os seriados de matinê que assistiu, como complemento das sessões principais nos cinemas, como: Fash Gordon e Buck Rogers, além de incorporar personagens do filme A Fortaleza Escondida (1958), de Akira Kurosawa. Outros filmes foram fontes de ideias, como no clássico Metrópolis (1928) de Fritz Lang, adaptando as formas da androide Maria ao robot C3PO. Já o documentário alemão “O Triunfo da Vontade”, dirigido pela cineasta Leni Riefenstahl, registrou um congresso do partido Nazista com estética neoclássica e serviu de inspiração para ornamentar o universo Sith e do Império. O Antropólogo Joseph Campbell encontrou paralelos em sua obra “O Poder do Mito” na saga de Star Wars, principalmente pela construção dos personagens de Luke Skywalker e seu arco dramático, como a do Herói-vilão Hans Solo. Este embasamento estrutural colaborou para que Star Wars alcançasse voos mais altos do que apenas uma série de entretenimento. Também é um fenômeno da cultura pop com raízes mais profundas na psicologia dos arquétipos, em forma de fábula moderna, ao discutir o clássico tema da luta do bem contra o mal. Encontramos também elementos da filosofia holística e oriental, sem ser maniqueísta, revelando personagens que transitam entre o bem e o mal, influenciado por forças da natureza cósmica. Estes conceitos foram explorados principalmente nos dois filmes seguintes da saga: O Império Contra-ataca e o Retorno do Jedi, nos embates entre os personagens de Luke Skywalker e Darth Vader e suas alternâncias entre a “Força”, como no duelo do Yin e Yan e referências Freudianas como na obra: “Totem e Tabu”.


A série foi retomada por George Lucas nos anos 2000, mas sem o brilho da trilogia inicial, empalidecendo a saga, que conta a origem dos personagens Darth Vader, Obi Wan Kenobi e procurou dar mais esclarecimentos sobre as ordem dos Siht e Jedi. Infelizmente Lucas decepcionou os fãs com uma trilogia bem abaixo do original, mergulhando o projeto de realizar os segmentos finais no esquecimento. Após a Disney comprar os direitos da franquia de Star Wars a série foi retomada nas mãos do novo Merlin do cinema fantasia, J. J. Abrams, que dirigiu e escreveu o episódio VII: “Star Wars, O despertar da Força” em 2015, além de se tornar o produtor da derradeira trilogia, juntamente com Kathlenn Kennedy. Voltemos ao filme em questão que é “O Último Jedi”(2017), dirigido pelo talentoso diretor e escritor Rian Johnson, autor de diversos episódios da cultuada série “Breaking Dead”(2008-13). Rian foi a escolha mais correta por transformar o episódio VIII em uma grata surpresa. Seu background em Breaking Bad, em lidar com um personagem bipartido como “Walter White/Heisenberg”, que durante a série transita em entre o bem e o mal, justificado no conhecido “Dilema de Heinz”. Esta construção de Vilão-Herói servira de apoio para os personagens de Luke Skywlaker, a jovem e promissora Jedi, Rey, e o Vilão dividido Kylo Ren, capaz de matar o pai Hans Solo, no episódio VII. O episódio VIII começa na cena final do filme anterior, a de Rey entregando o velho sabre de luz ao seu dono que subitamente o joga ao ar, como se fosse um lixo qualquer. Esta cena provoca risos e estranhamento ao desacralizar um momento que seria sublime para todos os fãs da série. Este momento pós-moderno desconstrói o personagem máximo de Star Wars e dá o tom do filme ao surpreender o público com as reviravoltas, humor e desdobramento dos personagens, que são colocados em cheque e passam por transformações. Talvez por este motivo, por ser o filme da saga mais ousado e com mais mudanças, causou uma reação em um grupo de fãs, extremante reacionários. Estes passaram a boicotar e dar pontuações baixíssimas no IMDb e mover uma petição contra a Disney para tirar o filme da série. Uma reação conservadora de fãs que parecem não entender nada de cinema, da saga e da proposta de George Lucas, coautor do roteiro. Infelizmente vivemos em um mundo em que a internet, assim como democratiza, também organiza grupos pró-fascistas, que elegem Trump e apoiam golpes de estado, como aconteceu no Brasil.


Voltando ao filme, temos o personagem de Rey, que esperançosa em obter um treinamento e liderança da Lenda Jedi, leva um balde de água fria, pela reação de Luke por recusar treina-la e ajudar os rebeldes. Como nas histórias de mestre e aprendiz, o professor acaba cedendo e Rey passa a receber a 1º lição fundamental, a de ter o real contato com a Força, e por um momento é conectada com o lado negro. A partir do 2º dia, Rey passa a sentir a presença de Kylo ao vê-lo e ouvi-lo, telepaticamente. Esta sequencia entre os dois remetem a tentativa do herói em transitar entre dois mundos, como se fosse imune às seduções do lado negro. Kylo a convida para se associar a sua nova Ordem, sem os Jedis e Siths. Já Rey tem esperança que Kylo abandone a 1ª Ordem e se alie aos rebeldes, e talvez, romanticamente como seu parceiro, pois é nítida a atração física. Rey continua o seu treinamento, revelando uma Jedi diferenciada, até o momento que em mais um contato telepático, Kylo convence Rey que Luke tentou matá-lo, quando era seu aluno. Esta revelação chocou Rey que pediu a confirmação de Luke. Ao afirmar que sim, provocou a saída emocionada de Rey da ilha, não dando chances de Luke explicar a verdade completa. A revelação de Kylo foi estratégica para separar Rey de Luke e atraí-la para os seus domínios. Ao chegar à nave do Supremo Lider da 1ª Ordem, Snoke, interpretado por Andy Serkis, onde também se encontrava Kylo Ren, Rey é aprisionada e levada para ser interrogada sobre o paradeiro de Luke, considerado com a maior ameaça aos seus domínios. Na Sala do Supremo Líder, em cores de profundo escarlate e negro, associações as cores nazistas, é iniciado o interrogatório/tortura. Uma nova e a mais surpreendente reviravolta. Kylo mata furtivamente o seu mestre e libera Rey, que juntos passam a lutar contra a poderosa guarda imperial dos Sith. Os dois saem vitoriosos e Kylo convida Rey para ficar ao seu lado e construir uma nova ordem, onde não haveria mais Jedis, Siths, rebeldes, seus pais e tio, uma ordem totalitária, capaz de controlar qualquer rebelião. Rey questiona Kylo porque tinha assassinado seu pai e como isto poderia ser justificado para a criação de uma nova ordem. A resposta fria de Kylo é que tinha que ser feito, assim como em Totem e Tabu. Rey nega seu convite e se desvencilha e foge de Kylo e sua nave. A minha comparação com a obra ficcional de Freud, Totem e Tabu, ou mesmo com o mito de Édipo, em relação ao arco de Kylo Ren, não é para dizer que o atormentado sobrinho de Luke estava apaixonado pela sua mãe, a princesa Leia, com teria afirmado o pai da psicanálise em sua teoria sexual. Kylo, na verdade, se assemelha a Édipo na comparação dos dois arcos. Não que Hans Solo e Leia exilaram o jovem Kylo, para um planeta longe, em um plano diabólico para ser assassinado pelo seu Tio, mas na cabeça de Ren assim foi fantasiado, a partir do momento que flagrou Luke, armado com seu sabre de luz, na eminência de ataca-lo em seu leito. No mito de Édipo, ele é afastado de seu lar pelo seu pai, o rei Laio, que aconselhado pelo oráculo de Delphos sobre uma profecia de um futuro golpe palaciano liderado por seu filho, e por este motivo, foi pregado pelos pés no Citerão. No ensaio ficcional de Freud, Totem e Tabu, um poderoso e ditatorial chefe tribal, sofre um motim e é assassinado pelos seus filhos, que desejavam o seu poder e as suas esposas. Para Kylo Ren, ao se sentir traído pelos seus pais, que o confiaram ao seu tio, pai espiritual, possível autor de uma tentativa de assassina-lo, foi como dar uma guinada de 180º em sua cabeça, e fornecer um ódio, já alimentado pelo lado negro, se colocou como presa fácil do líder da Nova Ordem de Snoke e do fantasma de seu avó Darth Vader, seu novo pai espiritual. Muito diferente das motivações gratuitas que levaram Anakin Skywalker a abraçar o lado negro, em Episódio III: A Vingança dos Sith, Kylo possui motivos mais vigorosos e relacionados à tradição arquetípica do herói-vilão e ser conduzido ao trágico arco da vingança e do ódio. Além do trio principal temos alguns personagens significativos na construção dramática deste episódio, que possui mais reviravoltas, mais cenas de ação, em total estado de ebulição. Destaco principalmente a nossa velha conhecida, Princesa Leia, comandante e líder dos rebeldes, mãe do vilão Kylo Ren, interpretado pela atriz Carrie Fischer, falecida em dezembro de 2016. Leia, escolha certa para liderar os rebeldes, é o contrapeso para balancear as impulsividades do Jovem Major Poe, interpretado pelo ótimo Oscar Isaac, herói em construção, mas explosivo e inconsequente, capaz de arriscar a sua vida e a dos pilotos da esquadra rebelde em uma missão impensada. Assim com Poe, o aspirante a Jedi, Finn, também demonstrou imaturidade, fúria descontrolada e impulsos suicidas, nas cenas de batalha. O arquétipo equivocado de herói geralmente esta associado à personalidade de personagens com as de Poe e Finn, arrebatados e capazes de se sacrificarem, mas de forma gratuita e irrefletida. Diferente destes “heróis”, o episódio VIII, apresenta uma heroína, na tradição arquetípica, a Comandante Chefe Amilyn Holdo, encarnada pela atriz Laura Dern, que é ponderada, enérgica e adota sábias decisões. Seu sacrifício não é gratuito, mas eficaz. Leia e Holdo são o equilíbrio e a circunspecção necessários para que o movimento rebelde não esmoreça sob os ataques da 1ª Ordem, apesar de reconhecerem a necessidade da energia e juventude dos “heróis” Poe e Finn. Como havia mencionado, o episódio VIII possui o maior número de reviravoltas, tramas paralelas e subjacentes com o objetivo de envolver o público a um jogo de aparências que subvertem as fórmulas de filmes de ação de Hollywood, geralmente previsíveis. Isto é graças ao talento do diretor e escritor Rian Johnson e sua trajetória em filmes como “Looper” e a série “Breaking Bad”. Rian utiliza camadas, em seus roteiros, que são conduzidas e reveladas nos tempos dramáticos e dá uma dinâmica e alteridade aos seus personagens, ricos de profundidade psicológica. Em “O Último Jedi” um personagem significativo é o do contrabandista e Hacker “DJ”, interpretado de forma brilhante por Benicio Del Toro, alternando confiança e desonestidade, ao público e aos personagens rebeldes que o contratam para decriptar a defesa de um destróier a ª Ordem. Em uma cena, quando DJ, Finn e a personagem Rose Tico estão em uma nave roubada de um rico contrabandista de armas, DJ revela que este pirata ganhou fortuna vendendo armas para o Snoke, mas também para a Força Rebelde, para a decepção e surpresa de seus contratadores. Este mundo de aparências é permeado durante toda a trama. Quando Finn e Rose procuram por DJ nos cassinos de um belo planeta, um verdadeiro resort para ricos, Finn se encanta com a beleza e o luxo do lugar. Rose revela que por traz desta beleza, criada e usufruída pelo “1%” e 1ª Ordem, existe a exploração dos “99%” da população, que sofrem de escravidão, miséria e sofrimento para sustenta-la. Em outra cena chave, quando Luke Skywalker, desiludido por perder mais um brilhante aluno, resolve botar fogo na biblioteca sagrada Jedi e por fim à “Ordem”. Luke esta vacilando em incendiar o local, acompanhado do curioso espírito do mestre Yoda, quando um raio, em meio à tempestade, cai e fulmina a sagrada biblioteca, desesperando o confuso Herói, que tenta entrar no local em chamas para salvar os livros. Yoda cai em gargalhadas ao assistir seu pupilo atordoado. Luke questiona Yoda o porquê das gargalhadas e Yoda dá uma resposta, claramente inspirado na tradição da filosofia Taoista. Yoda diz que Luke sempre idealizou muito as coisas, sempre contemplando o horizonte. Os livros que tanto preservou e por eles se isolou e se tornou guardião, são com uma efígie gasta. Yoda afirmou que o valor das coisas está bem próximo, mas não são realmente notadas. Por fim, aconselhou Luke a renovar sua aliança com a Força e procurar Rey, a nova esperança. Skywalker, que durante anos, amargou um confinamento na ilha, de um planeta distante de todos, como um monge sem fé, devido a culpa do que tinha acontecido com seu pupilo e sobrinho Kylo Ren, reconhece seu erro e sua cegueira. Novamente é preenchido por um sentimento de equilíbrio e esperança, através dos sábios conselhos de Yoda, e pela própria consciência, que durante o período de ostracismo, sua psique estava confabulando inconscientemente para este retorno. Skywalker, neste ponto, retoma a sua trajetória do Herói e ao seu real significado, concluindo um ciclo, como diria Campbell, o monomito. O monomito é estruturado em três seções: Partida (às vezes chamada Separação), Iniciação e Retorno. A Partida lida com o herói aspirando à sua jornada( Star Wars, A nova Esperança); a Iniciação contém as várias aventuras do herói ao longo de seu caminho(Episódios V e VI); e o Retorno é o momento em que o herói volta a casa com o conhecimento e os poderes que adquiriu ao longo da jornada(Episódio VIII). Isto foi estabelecido por Joseph Campbell na primeira parte de O Herói de Mil Faces, intitulada "A Aventura do Herói". A tese do autor é de que todos os mitos seguem essa estrutura em algum grau. Para citar vários exemplos, as histórias de Prometeu, Osíris, Buda e Jesus Cristo todas seguem este paradigma.


Luke tinha adquirido um status de lenda, reforçado pelo seu misterioso desaparecimento. Seu retorno, triunfal e espetacular, se consolidaria no momento que a força rebelde, já sem forças e acuada, em um planeta de sal, pelas forças inimigas, lideradas pelo seu sobrinho Kylo Ren. Skywalker se apresenta sozinho, enfrentando diversos maquinários de guerra na já destruída entrada da base rebelde. Kylo dá um comando absurdo, para que todas as suas naves atirem em seu Tio com força total. Após uma enxurrada de tiros que literalmente sangram o terreno salino, Luke reaparece da montanha de fumaça e fogo, com se nada havia acontecido, emoldurado por uma excelente gag, ao espanar o ombro com uma das mãos. Aliás, o humor, timidamente usado na saga, foi farto e sabiamente utilizado neste episódio, como pontos de alívio, entre as cenas de ação e suspense. Voltando a cena, Kylo ao ver que seu exagerado intento foi um fiasco, aceita o convite de seu tio para um duelo de sabres de luz, que transcorre como um dos pontos altos do filme e da saga, comparado somente à clássica cena do duelo entre Vader e Luke em “O Império Contra-ataca”. Novamente o diretor Rian nos surpreende na cena em que Kylo penetra o corpo de Luke com o flamejante sabre de luz. Na cena seguinte o público é informado que Luke, na verdade, esta monitorando um espectro de seu corpo da ilha, por um poderoso e inédito poder, adquirido por alcançar o estágio final de um mestre Jedi, enganando Kylo e a todos em volta. Ao penetrar Luke, Kylo sentenciou uma frase: “Estou acabando de uma só vez com o último Jedi, com os rebeldes, e qualquer tipo de esperança”. Luke o contradiz ao afirmar: Não sou o último Jedi, os rebeldes continuarão a lutar,..., e depois se esvanece. Encontramos Skywalker enfraquecido no alto da ilha, deitado em uma pedra e vislumbrando um por de dois sóis, um olhar contemplativo e romântico, como a do jovem Luke tinha ao mirar um similar por do sol, sonhando com aventuras e outros mundos. O velho Jedi desaparece como um sacrifício consentido, uma espécie de conversão espiritual, ou “renascimento em forma de luz”. Fechando o ciclo do Herói, que a gora será repetido e continuado pela sua pupila Rey. Na cena final, Luke que se torna uma verdadeira lenda e fonte de inspiração para todos os 99% da galáxia, uma jovem criança, personagem de uma cena episódica no meio do filme, exibe um anel com o emblema Jedi, que ganhou da rebelde Rose, e um olhar cheio de esperança, mirando as estrelas. Fim, créditos e a suntuosa e épica música de John Willians encerra o que foi para mim o melhor filme da saga Star Wars.



Iury Salk, 21/12/2017

コメント


© 2023 por O Artefato. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Facebook B&W
  • Twitter B&W
  • Instagram B&W
bottom of page