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A Casa que Jack Construiu (2018)

A Casa que Jack Construiu (2018) de Lars Von Triers.

Obra prima. Von Triers nos alerta através de um serial Killer, sintetizado em vários psicopatas estadunidenses, o perigo que esta por trás do fascínio por estes monstros, do mesmo público que elegem fascistas, tão psicopatas como o personagem do filme, para comandar um país, como foi na Alemanha nazista e nos EUA.

O filme é permeado por várias citações, inclusive a própria obra de Triers, para ilustrar o que esta acontecendo no mundo, principalmente nos EUA. O personagem de Jack é uma síntese de vários serial killers famosos, que são citados em diversas cenas. A citação mais direta foi a de Richard Kuklinski, que congelava suas vítimas em um galpão em New Jersey, parecido com o de Jack. Outras citações foram mais sutis, como a muleta que Jack usou para se aproximar de uma vítima. Este foi o modus operandi de Ted Bunny, que matou diversas universitárias, utilizando de uma muleta para atrair suas vítimas para próximo de seu carro, e ajudá-lo a por as compras no porta-malas. Outra citação foi a do famoso canibal Jeff Dahmer, quando uma de suas vítimas escapa de seu apartamento e foi até as ruas seminu e drogado para pedir ajuda a uma patrulha de polícia que estava próximo. Os policiais não deram a mínima ao seus apelos, quando Jeff chegou, e eles entenderam que era apenas uma briga de namorados, no que resultou na morte deste rapaz. A cena no filme é bem parecida com o que aconteceu na realidade.

Outra citação é uma bolsinha de moedas, feita de pele humana que Jack carregava, que faz referencia a um dos mais famosos serial Killers da história, Ed Gein, que empalhava suas vítimas, todas mulheres, e mobiliou sua casa com móveis com suas peles e ossos. Ed Gein foi fonte de inspiração para a construção dos personagens de Norman Bates e Leatherface, dos dois melhores filmes de serial killers da história do cinema: Psicose (1960) e O Massacre da Serra Elétrica (1974).

Von Triers ainda incluiu o ator Jeremy Davis, como um vendedor de armas. Davis interpretou Charles Manson no filme Helter Skelter (2004). Para finalizar esta galeria de psicopatas o nome Jack faz referência ao maior e mais conhecido serial Killer da História, Jack o Estripador.



Mas o filme não só faz referências ao tema principal do filme, mas o extrapola de forma brilhante. A ideia de utilizar o guia de Dante Alighieri do livro A Divina Comédia, o poeta Virgínilo, autor de Eneida, para conduzir Jack ao Inferno foi muito bem acertada. Com um humor sarcástico Von Triers faz um upgrade da Divina Comédia, contextualizando as referências políticas e sociais do livro para o nosso tempo. Para começar Virgílio é apresentado como Verge, pós-modernizando o autor de Eneida, em um apelido da forma típica que os estadunidenses fazem. Os diálogos verborrágicos e enciclopédicos dos dois servem para ilustrar a história da crueldade humana que vai muito além dos sadismos dos psicopatas. O ponto nevrálgico desta discussão intelectualizada é a aproximação estética da arte ao crime. Para Verge, não existe arte sem amor, mas Jack tenta o convencer através de comparações históricas, culturais e estéticas, seja na produção de vinhos, como no cinema, artes plásticas e na arquitetura de Hudolf Hess, bem como o seu projeto de construções e monumentos que virariam ruínas em pouco tempo. Projeto este idealizado pelo próprio Hitler, que amava o mundo Clássico Grego-Romano e sua arquitetura. Esta ideia que aproxima a estética como um dos principais objetivos do 3º Reich foi destrinchado no documentário Arquitetura da Destruição (1989) de Peter Cohen. É bom lembrar que o Chanceler de Bolsonaro, Ernesto Araújo declarou que Trump não aspira por um mundo como o de hoje e sim ao da Idade Média, como um cavaleiro de Luz em busca do Graal, rsrsrsrsr.



Jack idealizou como projeto arquitetônico de sua casa o estilo gótico medieval. Chegou até dar uma aula sobre as torres góticas para o seu cicerone Verge. Este será outro contraponto interessante com os primeiros capitalistas, aqueles que são citados pelo idealizador do liberalismo, Adam Smith, que em seu livro “A Riqueza das Nações” os cita como os Senhores da Humanidade e na célebre frase: “Para nós tudo, para o resto nada”. Estes Senhores da Humanidade, barões das primeiras indústrias, deram o pontapé na Revolução Industrial, e se enriqueceram explorando a mais-valia de crianças e mulheres, que recebiam metade do salário dos homens, que desempregados enchiam os primeiros presídios e manicômios. A expectativa de vida destas crianças e mulheres, devido a uma jornada de trabalho exaustiva de 16 horas é péssimas condições no ambiente produtivo era de no máximo 20 anos para as crianças e 25 para as mulheres. É muito fácil associar estas usinas de horror com os campos de concentração nazista. Boa parte da fortuna destes barões da indústria foi gasta em construções de mansões e castelos com arquitetura gótica com detalhes de envelhecimento e estado de ruínas, tal qual os projetos de Hess. Esta nostalgia pelo passado heroico, a dos cavaleiros medievais, unidos a imensa produção arquitetônica do Neo-Gótico, iniciada no início do século XIX, deu origem para uma ambiência propícia para os surgimentos dos monstros da literatura gótico inglesa, iniciada por um Nobre que adorava viver em ruínas, Lord Byron, no famoso concurso de contos de horror que propôs aos seus amigos, Percy Shelley, sua noiva Mary e Dr. Polidori. Deste concurso saíram a primeira novela de Vampiro e o clássico Frankenstein. Depois vieram O Médico e o Monstro, O Retrato de Dorian Gray e o romance mais perene e influente de todos, Drácula. O romance de BramStoker despertou interesse até de Karl Marx e vários pensadores comunistas que associaram o vampiro conde da Transilvânia ao Capitalista sedento de lucros, sugando a vida da classe operária. Vale a pena até fazer uma associação com música “Vampiro Empresário” da banda paulista Língua de Trapo.



É Certo que os monstros góticos invadiram as mentes e o imaginários de milhões de pessoas pelo mundo de medo até o momento em que abriram as portas do Inferno e o mundo ficou horrorizado com as imagens filmadas em Auschwitz. A partir daí descobrimos que os verdadeiros monstros são humanos, ideia que ficou reforçada nos anos 50 com a descoberta dos horrores de um simples fazendeiro Planifield. A partir de Ed Gein começaram a surgir outros monstros humanos que mais tarde foram patenteados como Serial Killers, por agentes do FBI que elaboraram o perfil psicológico destes psicopatas.

A postura de Jack, clássico perfil de um Serial Killer, é de um caráter arrogante, narcisista e até de desleixo. Ao perseguir seu objetivo estético, visivelmente se arrisca em ser pego, como se fosse imune por intervenção divina. Em um dos momentos do filme Jack arrasta, com seu furgão, um corpo ensanguentando sua trajetória da casa da vítima até ao seu refúgio. Ao perceber seu rastro uma chuva torrencial limpa os vestígios, no que acredita ser uma intervenção divina. Para antigos gnósticos Deus na verdade era o Diabo, e não é difícil acreditar neste conceito, já que a história da humanidade é escrita em sangue e seus executores quase nunca foram criminalizados.

Sua arrogância e sentimento de superioridade transparecem em seu apelido criminoso. Ele se auto-intitulou de Mrs. Sophisticated, ao deixar sua assinatura de seus crimes em fotos com poses esteticamente idealizados com corpos das vítimas.



Na verdade Triers faz uma sátira destas personas mórbidas e criminosas, que são adorados pelo público estadunidense. Manson tem uma legião de fãs, assim com os quadros do palhaço assassino John Wayne Cage que são vendidos por milhares de dólares, não por serem obras de arte, mas por serem criações de um monstro. Assim como Cage, Charles Manson tinha aspirações em ser um astro do rock, e compôs diversas canções que foram gravadas e vendidas pelos seus fãs. Hitler também era um aspirante a pintor. Talvez a ideia de Jack em aproximar o crime a arte não foi tão esdrúxula assim, pelo menos no que se refere ao público dos EUA, que consome e referenda este lixo. Em diversas sequências Jack aparece com placas como se fossem intertítulos para a próxima temática explorada no filme. As cenas se assemelham ao vídeo-clip do Bob Dylan: Subterranean Homesick Blues, tornando-o um pastiche deste grande ícone dos EUA.

As críticas aos EUA não param por aí. A sequência mais tabu e terrível do filme é a da caça em que Jack abate duas crianças pequenas e uma mãe desolada, através de um método científico próprio, faz menção direta ao gosto dos estadunidenses por este esporte cruel. Uma das cenas de suas lembranças quando era criança foi a de decepar a perna de um patinho e jogá-lo na água para assistir seu afogamento. A crueldade com animais é considerada uma das características básicas na formação de um serial Killer. Para mim este esporte arraigado na cultura estadunidense de caçar é sintoma de uma sociedade que apoia intervenções militares em países pobres, genocídios (aos negros, índios, árabes, latinos americanos,e asiáticos: Timor-Leste, Cambjoa, Coréia, Vietnã e Japoneses), eleição de fascistas na presidência, e de um materialismo sem precedentes, que os torna uma nação espiritualmente doente e produz uma cultura de massa vazia e alienante.



Chaplin já tinha feito esta mesma crítica aos países do 1º mundo, e seus atos criminosos impunes, em Monseior Verdoux (1947) inspirado no famoso serial killer Landru, o Barba Azul, que em sua fala final: Quando é finalmente levado à Justiça, sua defesa consiste em que, enquanto o assassinato privado é condenado, a matança pública – na forma da guerra – é glorificada: “Um assassinato transforma uma pessoa em vilã – milhões, a transformam em herói. Os números santificam”. Esses não eram sentimentos populares na América de 1946, e Chaplin se viu cada vez mais na mira da Direita – uma caça às bruxas que resultou na sua partida definitiva dos Estados Unidos em 1952”.

O certo é que Von Triers, acusado de ter elogiado Hitler, aos dizer que o ditador tinha alguma razão no festival de Cannes, há alguns anos atrás, reformula sua brincadeira polêmica e o transforma nesta obra de arte irônica e anarquista, que não é para qualquer público. Não para o público sado-masoquista que adora cenas gore de filmes de serial killers, não para o público estadunidense ou bolsomínio, que são satirizados ou mesmo espelhados no personagem de Jack. A sorte é que historicamente estes serial Killers como Hitler, Trump ou Bolsonaro terão um fim, construídos por eles próprios, em sua ganância, loucura e sede de sangue, e vão cair no abismo do 7º círculo do Inferno.

Iury Salk

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