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Idiocracia (2006)



Idiocracia (2006) de Mike Judge (criador das séries de animação Beavis e Butthead e O Rei do Pedaço). O filme me pegou de surpresa já que foi idealizado como comédia em 2006, mal lançado na sua época pela produtora Fox e hoje virou uma espécie de um documentário muito próximo do retrato de nossa sociedade atual no Brasil e Eua. Este profético filme me fez lembrar um episódio de os Simpsons em que Homer enfia um lápis Cryon pelo nariz, quando criança, transformando-o no completo imbecil que conhecemos (The Simpsons - Crayon in Homer's brain). Quando o médico descobre esta bizarra situação retira o lápis do cérebro de Homer e ele se transforma em uma pessoa tão inteligente como a sua genial filha Liza Simpson. Homer fica animado com a sua nova versão e passa a ser um leitor voraz e descobre um novo mundo, mas seus antigos hábitos que estava acostumado, como a ir ao cinema e assistir filmes mainstream, ver compulsivamente a maioria dos programas de TV e jogar conversa fora no botequim com os amigos se tornaram atividades enfadonhas e insuportáveis. Ele desabafa com a filha que estava muito infeliz por ter se tornado inteligente e Liza dá uma breve mas espirituosa explicação, utilizando um gráfico, de como as pessoas se tornam infelizes e amargas quanto mais inteligentes elas são, assim como as estúpidas se tornam as mais felizes. Por fim Homer resolve enfiar o lápis novamente pelo nariz.



Também assisti por estes dias a pequena obra-prima de ficção científica e horror, premiada no Festival de Cannes de 2019 por melhor interpretação feminina para Emily Beecham, o filme "Little Joe" de Jessica Hausner com Ben Whishaw. Este filme também trata sobre a nossa massificada necessidade de estar feliz, muito a custo de medicação mágica, que mais zumbificam o cérebro, e hábitos e estilo de vida, promovido pela psicologia moderna, em ficarmos cada vez mais ausentes, individualistas e conformistas. É como no discurso inicial do maravilhoso filme "O Vice (2018)" de Adam Mckay, "Quanto mais perdemos nossos direitos, e temos que trabalhar mais e ganhar menos, mais nos tornamos estúpidos e alienados". Little Joe se destaca por ser um filme de Horror, mais anti-terror jamis realizado. No lugar das vítimas que são zumbificadas e escravizadas pela planta Little Joe, no lugar de serem vítimas por serem subjugadas, mais elas se tornam felizes, apesar desta felicidade importar a perda do censo crítico, das emoções, paixões e valores éticos. As comparações com os diversos filmes originados no clássico dos anos 50 "Os Vampiros de Alma" ficam muito evidentes neste filme, inclusive com diálogos e cenas muito próximas a do clássico de Dom Siegel, que na época era uma Fantasia de ocupação comunista, metaforizada em invasão extraterrestre.



Nesta versão de 2019 fica mais claro a alusão com a própria realidade em que vivemos, revelando que todo o Sistema da sociedade burguesa, que pasteurizou todas as culturas mundiais sob o julgo da american way of life, através de programas de tvs estúpidos, a falsa felicidade no consumismo, o cinema mainstream e blockbuster, os programas jornalísticos machistas e fascistas tipo o Jornal Nacional e a Fox News, as fake News, as Igrejas de Prosperidade, o enorme poder das corporações, bancos e grupos de poder e política que destroem os direitos trabalhistas, previdenciários, além da vigilância digital profetizada por George Orwell em "1984", situações coordenadas e planejadas por este poder invisível e totalitário, que inventou uma falsa liberdade e democracia, como prova a famosa obra do genial Noam Chomsky em Fabricando vontades.



Mas voltando ao filme Idiocracia vou postar aqui este excelente artigo de Wilson Roberto Vieira Ferreira:

A burrice e estupidez do futuro já estão entre nós em “Idiocracia”, por Wilson Ferreira

O filme que originalmente era uma comédia e que se tornou um documentário. Assim é definido o filme “Idiocracia” (“Idiocracy”, 2006) do diretor e escritor Mike Judge

O filme que originalmente era uma comédia e que se tornou um documentário. Assim é definido o filme “Idiocracia” (“Idiocracy”, 2006) do diretor e escritor Mike Judge (“Beavis e Butthead” e “O Rei do Pedaço”): um casal acorda de uma longa hibernação criogênica de 500 anos para encontrar um mundo no qual a burrice, estupidez e preguiça (e suas consequências como o machismo e a intolerância) se tornam virtudes. O presidente dos EUA é um ex ator pornô e lutador de Telecatch e a água potável foi substituída por um isotônico produzido por uma gigantesca corporação, gerando uma catástrofe ambiental. E a política se confunde com entretenimento e vídeo-game.



Um filme tão profético que o próprio estúdio 20th Century Fox resolveu boicotar o lançamento da sua própria produção, escondendo “Idiocracia” das grandes redes de exibição. “Idiocracia” é visionário: como uma sociedade inteira não percebeu que emburrecia enquanto as expectativas sobre o que é ser inteligente cada vez mais diminuíam com o avanço tecnológico e da indústria do entretenimento.

“Um filme que era originalmente uma comédia, mas que se tornou um documentário”, senteciou a crítica especializada. O filme foi lançado em 2006, sem alarde ou cerimônia, em um punhado de redes de cinemas. Jamais um trailer promocional sobre o filme foi exibido anteriormente no cinema ou nos canais habituais de divulgação na Internet, como o IMDB.

“Um filme que era originalmente uma comédia, mas que se tornou um documentário”, senteciou a crítica especializada. O filme foi lançado em 2006, sem alarde ou cerimônia, em um punhado de redes de cinemas. Jamais um trailer promocional sobre o filme foi exibido anteriormente no cinema ou nos canais habituais de divulgação na Internet, como o IMDB.

No Brasil, foi lançado diretamente em DVD, sem qualquer esquema promocional.

Praticamente o estúdio 20th Century Fox descartou a produção por não saber como vende-lo ou defini-lo: é uma distopia sci-fi? Uma comédia de sátira social? O problema é que o argumento do filme se concentrava numa sociedade estúpida, muito mais próxima de se realizar do que poderíamos imaginar. Uma sátira “hipo-utópica”, isto é, uma projeção hiperbólica no futuro de eventos que já estão acontecendo no presente.

Depois de catorze anos do “não-lançamento” de Idiocracia o que vemos? Comediantes ou estrelas de reality shows de TV eleitos presidentes como na Ucrânia e EUA (ou o governador eleito João “O Aprendiz” Doria Jr, no Brasil; ou também o apresentador Luciano Huck sendo cogitado a candidato à presidência em 2022); apresentadores do canal Fox News defendendo racistas como patriotas; uma série reality de sucesso chamada Os Kardashians na qual uma família nada faz de relevante além de mostrar cirurgias plásticas, quem ficou gordo ou magro ou quem casou ou se separou; ou ainda a maior rede de comunicação da história humana, a Internet, que deu direito à palavra aos idiotas de aldeia que outrora tinham vergonha de si mesmos.

Talvez exatamente por isso a 20th Century Fox se viu embaraçada com o resultado final que Mike Judge apresentou para os executivos do estúdio: o filme era muito profético, quase um documentário sobre um futuro próximo. Futuro que certamente os executivos da indústria do entretenimento idealizavam.

Idiocracia começa descrevendo como o processo da evolução darwiniana caminhou para um sentido oposto na História. Até um certo ponto, a seleção natural sempre favoreceu os mais inteligentes e rápidos que se reproduziam em maior número que os demais. Um processo que favoreceu os traços mais nobres da humanidade, ao ponto que todo o gênero da ficção científica antevia sociedades civilizadas e inteligentes.

Mas o que aconteceu para a História premiar o embrutecimento e a involução? Como chegamos ao ano 2501 no qual a inteligência se extinguiu e a mentalidade limítrofe tornou-se o modelo desejável de existência?

O Filme

Idiocracia a companha Joe Bauers (Luke Wilson) ainda no tempo atual, um bibliotecário de uma instalação das Forças Armadas. Ele é um típico militar mediano e sem ambições: seu único sonho é se esconder numa função sem responsabilidades, à espera da aposentadoria.

Mas, para o seu desespero, um oficial chega com novas ordens que o tirarão da sua rotina para sempre – ele foi escolhido como cobaia de um experimento envolvendo uma hibernação criogênica que durará um ano. O objetivo é monitorar alterações físicas em indivíduos congelados.

Joe é a cobaia perfeita: sem esposa, filhos ou família. Assim como uma prostituta selecionada também para a experiência, Rita (Maya Rudolph).

Mas, enquanto as duas cobaias humanas estão congeladas, o oficial responsável se envolve com um escândalo sexual envolvendo o próprio cafetão de Rita. Resultado: o experimento é cancelado, a instalação é demolida e, pela lentidão burocrática, as câmaras criogênicas de Joe e Rita são esquecidas nas ruínas do laboratório. E lá ficam por séculos.

Enquanto isso, a narrativa descreve a lenta deterioração da sociedade em direção da ignorância e anti-intelectualismo. O resultado, é um mundo devastado por um crise ambiental que transformou as cidades em depósitos de lixo que sobe às alturas dos prédios, entretido por um cultura pop humilhante, corrupção corporativa implacável, ineficácia política (o presidente dos EUA é um ex ator pornô e lutador de Telecatch) regida por uma elite supostamente mais inteligente do planeta.

A língua inglesa foi reduzida a uma estranha combinação híbrida de expressões adolescentes, dialetos locais, gírias de gangs e vários grunhidos. O que impera é a misoginia e machismo, no qual as mulheres ou são prostitutas ou donas de casa estúpidas.




As câmaras criogênicas de Joe e Rita abrem acidentalmente depois que despencam de uma montanha de lixo. Joe acredita que vive uma alucinação pós-hibernação e vai a um hospital, para ali cair a ficha de que está 500 anos à frente num futuro bizarro: médicos e pacientes se nivelam na indigência mental, todos os equipamentos são precários e o hospital está quase em ruínas – a burrice foi tão normalizada que ninguém é capaz de consertar ou manter nada funcionando direito.

Enquanto Rita rapidamente se adaptou àquela cidade, como prostituta, Joe passa a ser procurado pela polícia: descobriram que ele é “inescaneável” – como não possui tatuagem com código de barras, não pode ser identificado.

Na prisão, Joe ganha uma “identidade” e é feito um teste de QI protocolar nele – para descobrirem que ele possui a maior inteligência do planeta.




Um “Einstein” em 2505…

Essa é a primeira ironia de Idiocracia: em seu tempo, Joe era um militar medíocre que não pensava em responsabilidades. Em 2505, chega a ser comparado a Einstein. Sua notoriedade chega à Casa Branca do presidente Camacho (Terry Crews) – o ex artista pornô. Ele nomeia Joe Secretário do Interior, para resolver um problema agrícola e ambiental terrível: os campos estão áridos, secos. As montanhas de lixo produziram um ambiente desértico, com tempestades de pó e poluição. Nada cresce e a crise alimentar é cada vez maior.


É perceptível que Mike Judge quer se concentrar nas linhas de diálogos de humor negro dos protagonistas, dando apenas alguns vislumbres naquela ordem social e política caótica. Mas aos poucos vamos percebendo que o mundo de 2505 é o paroxismo do neoliberalismo e do chamado Estado Mínimo.

Praticamente, toda a máquina do Estado foi privatizada, adquirida por uma gigantesca e onipresente empresa que produz o “Musculosa”, uma espécie de isotônico que substituiu a água potável – água só existe nos banheiros, por isso a campanha publicitária que demoniza a água, associando-a com sujeira e excrementos.

Uma empresa tão poderosa que conseguiu abolir a água na agricultura – tudo é irrigado com o “Musculosa”. Daí, o deserto em que se transformaram os campos.

Estado policial, código de barras cutâneo e um onisciente interesse corporativo denotam que a estupidez foi disseminada para as massas, deixando algum tipo de elite com um QI acima de dois dígitos. A Indústria de entretenimento e publicitária conseguiu incutir nas massas um tipo de raciocínio tautológico, com uma lógica que apenas anda em círculos, transformando as pessoas em zumbis cognitivos. Como demonstra essa linha de diálogos em que Joe tenta convencer o governo a substituir o “Musculosa” por água potável nos campos:



Camacho: Musculosa contém o que as plantas desejam... contém eletrólitos. Joe: Mas o que são eletrólitos? Alguém sabe? Um Secretário de Estado:… o que usam pra fazer a “Musculosa”. Joe: Sim, mas por que os usam pra fazer a “Musculosa”? Secretário de Estado: Porque “Musculosa” contém eletrólitos...


Uma crítica ao Darwinismo Social

O gênio de Idiocracia é a crítica ao darwinismo social – o problema em aplicar a teoria evolucionista do mundo natural para a sociedade. Para o darwinismo social, o mais inteligente é o indivíduo mais adaptável às mudanças do ambiente. Mas, e se o ambiente tecnológico, social e político diminuírem as expectativas do que é ser inteligente?

Na sequência em que Joe entra no hospital acreditando estar sofrendo alucinações, ele passa por um diagnóstico médico baseado em um painel com diferentes ícones representando ações que um médico pode prescrever.

Basicamente uma interface análoga a de um aplicativo que simplifica a atividade médica numa linguagem binária emburrecedora. O que nos lembra as advertências do cientista computacional Jaron lanier a respeito de como a cultura dos aplicativos está reduzindo o conceito de inteligência: o tempo todo as pessoas estão se degradando para fazerem os aplicativos parecerem espertos.

Em Idiocracia está latente a seletividade do emburrecimento coletivo. A tecnologia de escaneamento de código de barras, a função do Estado reduzida à policial e a onipresença corporativa do produto “Musculosa” são indícios de que há uma inteligência de engenharia e controle social por trás de tudo. Há algum tipo de elite oculta que pôs em ação uma agenda de idiotização da política que tornou possível a privatização de todos os serviços públicos (até a Casa Branca é patrocinada por empresas), a precarização dos alimentos, trabalho e meio ambiente.

Tudo normalizado por meio de uma indústria de entretenimento que vende humilhação como diversão – como no caso do programa de TV de sucesso em 2505 “Ai! Chutaram Minhas Bolas!”, com pegadinhas violentas e ultrajantes.

Nesse novo ambiente, quanto mais baixo for o QI, mais “inteligente” o indivíduo se torna por estar melhor adaptado às mudanças tecnológicas e sociais impostas por grandes corporações.

Talvez por isso a extrema-direita ataque tanto a Teoria da Evolução de Darwin e pregue o fundamentalismo religioso – porque, no fundo, sua agenda de controle social seja baseada no darwinismo social. Atacar Darwin e querer tirá-lo da história da Ciência seria uma forma diversionista de ocultar o princípio da nova engenharia social: sem ninguém perceber, gradualmente produzir o emburrecimento coletivo mediante a redução das expectativas sobre o que é ser inteligente.



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