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Drácula 2020 (Netflix)


Muito boa a mini-série Dracula da Netflix. Dividida em três capítulos de 1:30 cada episódio, mas inspirada na estrutura do romance de Bram Stoker, mas com muita liberdade na adaptação. O famoso romance já tripudiado em dezenas de adaptações desde Nosferatu de Murnau, por sinal um dos melhores Draculas do cinema. A única adaptação fiel, e não foi a de Coppola, mas de um filme B de Jesus Franco, com Christopher Lee, que infelizmente é medíocre. Esta adaptação, dos criadores de Sherlock e Doutor Who, Mark Gatiss e Steven Moffat, seguiu o estilo que marcaram suas séries anteriores, com humor mordaz, personagens homossexuais e bissexuais, inclusive o próprio Drácula, um eterno Macho Alpha da mitologia gótica, e tresloucadas variações e guinadas de roteiro.


1- Drácula em seu castelo nos Montes Cárpatos, Transilvânia.



Fotos 2 e 3: Desafiando as freiras em uma mosteiro em Cózia, Romênia.


Foto 4: Drácula, ameaça sobrenatural no navio Deméter.


Os dois primeiros episódios são magníficos. O 1º com a melhor ambientação de Castelo de Drácula do Cinema até hoje, e o 2º  episódio sobre a misteriosa viagem que levou o Rei dos Vampiros de sua Terra natal para a Inglaterra, à bordo no navio Deméter. No romance Stoker fez breves descrições da viagem através do diário de bordo do Capitão, e nas adaptações do cinema apenas o Drácula de Frank Langella e de Coppola, foram realizados cenas que não duram nem um minuto de duração.


Foto 5: Após um banho de sangue no navio demeter, Drácula é um náufrago na baia da Inglaterra.


O terceiro episódio é o desdobramento do romance quando Drácula já esta na Inglaterra, só que 120 anos após as aventuras no Deméter, em uma Londres contemporânea que fascina o Conde Vampiro pela tecnologia e avançada ciência. Este interesse pelo progresso e ciência se encontra no romance e no filme de Coppola. Assim que foi lançado o livro, Karl Marx sugeriu que o personagem do nobre europeu que suga o sangue de seus vassalos era uma perfeita metáfora do capitalista que suga as forças vitais da classe trabalhadora através da mais valia. Drácula se sente confortável neste cenário tecnológico e impiedoso do poder econômico neoliberal, posando de executivo em um requintado apartamento de Londres, discutindo seus negócios de dominação mundial com seu subalterno, o advogado sem nenhuma ética Renfield.


Foto 6: Drácula e Renfield, em seu apartamento luxuoso em Londres.


Também neste episódio, os personagens do livro como o Texano Quincey, rico e superficial, a sedutora e narcisista Lucy e seu apaixonado e servil ex-namorado, o medico romântico médico Dr Stewart. Como no romance, Drácula seduz Lucy em vistas noturnas, e passa a sugar seu sangue até a morte da bela jovem. Lucy é a própria Madame Bovary elevada a 3º potência, superficial, vazia, narcisista e fantasista. No romance de Flaubert, Madame Bovary era casada, mas traia o seu marido em diversas situações, e seu mundo era a de aparência e uma certa compulsão por compra de vestidos e perfumes. Freud cunho o termo  Bovarismo para diagnosticar vários casos de mulheres burguesas de Viena que sofriam de histeria e tinha um perfil próximo a da personagem de Flaubert. No romance de Stoker, Lucy era como Madame Bovary, um tipo feminino da Era Vitoriana obcecada pelo exótico e por sexo, e gostava de brincar e seduzir seus três pretendentes, ou três noivos, assim como Drácula com suas três noivas. Neste período da Era Vitoriana, o fascínio por livros, quadros e estátuas de imagens eróticas virou uma febre na pequena burguesia Londrina, principalmente pela descoberta dos livros, que o explorador Richard Burton trouxe para a Inglaterra, o Kama Sutra e As Mil e Uma Noites. O próprio Drácula, vindo do oriente, com sua estatura alta e o nariz adunco, despertava este fascínio nas mulheres, apesar de Stoker sempre descreve-lo como abjeto e cheirando a morte. Nada mais interessante do que explorar esta veia pulsante do romance, a do bovarismo elevado a máxima potência, típica de nossa época de pessoas vazias, gananciosas, narcisistas, que se auto proclamam como deuses e deusas ao espalharem seus selfies nas redes sociais em busca de centenas de likes de pessoas ocas. Drácula e sua noiva Lucy são a representação de um casal típico de nossa época, talvez até mais significativo do que no período que foi criado, e o desenvolver deste plot nesta minissérie foi oportuno e dramaticamente bem construido até o desenlace poderoso e trágico, repaginando com muita propriedade este clássico das trevas. Só não dou mais informações para não frustrar o possível leitor que ainda não assistiu esta obra-prima.


Foto 7: Drácula e Lucy


Durante todos os episódios, Mark Gatiss e Steven Moffat, fizeram questão de homenagear os principais filmes de Dracula, de Nosferatu, Dracula de Lugosi, Dracula de Coppola e a obra prima da Hammer, O Vampiro da Noite (1958), ainda notamos homenagens a filmes de horror como Nasce um Monstro, na sequencia do bebe vampiro (possível homenagem ao seu criador, o diretor Larry Coehn, falecido em 2019), e até mesmo O Iluminado de Kubrick (o 2º maior filme de horror da história). As mudanças na características básicas da mitologia de Drácula e de vampiros, foram interessantes e significativas, já que foram fundamentos para o Plot twist, e as revelações finais, em uma das melhores cenas finais de filmes de vampiro. É claro que tem algumas pequenas falhas no roteiro, bizarrices e muita liberdade criativa, mas no final de todo o projeto, esta obra acabou sendo uma das melhores adaptações do romance, ao lado dos clássicos: Nosferatu (as duas versões), de 1931, 1958, 1976(BBC), 1979 (John Badham), 1993 (Coppola).


Foto 8: Drácula em uma cena onírica com pano de Fundo as Ruínas da Catedral de Whitby, Irlanda, ambiente gótico que inspirou Bram Stoker.


Foto 10: Drácula com a indumentária que consagrou o Rei dos Vampiros em clássicos como Drácula (1931) com Bela Lugosi.


Texto de Iury Salk

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