Algumas considerações sobre o filme The Lodge (2019)
- Iury Salk Rezende
- 14 de mai. de 2020
- 7 min de leitura

Apesar das evidentes falhas do roteiro na construção da narrativa de loucura da personagem central, o plot deste filme sintetiza duas obras primas do cinema de horror moderno: O Iluminado (1980) de Stanley Kubrick e Joker (2019) de Todd Philips, filmes recheados de citações políticas sobre o avanço do neoliberalismo e fascismo em nossa sociedade. As idéias de Michel Foucault e seus trabalhos sobre a micro-física do poder, além dos livros políticos de Noam Chonmsky e Bauman dão uma luz na interpretação das metáforas subliminares nestes três filmes em questão. No caso do The Lodge temos uma trama paralela entre O Iluminado.

Cena da Casa de Campo isolada pela nevasca em The Lodge.
Em Lodge a namorada de um escritor, vítima de uma seita religiosa ministrada pelo pai, com sérios problemas mentais provocados por um trauma (suicídio coletivo da seita em que ela foi a única sobrevivente) é dependente de forte medicação psiquiátrica. Ela é levada pelo namorado a tomar contas de seus filhos, uma criança e um adolescente, em uma casa de campo isolada por fortes nevascas. Tal atitude é completamente irresponsável do pai, já que seus filhos eram avessos ao futuro casamento dos dois e não escondiam suas intenções inamistosas perante a tutora neste período de férias. Em o Iluminado, Jack Torrance (Jack Nicholson) é encarregado de ser o zelador de um imenso Hotel luxuoso, o Hotel Overlock, resort para ricos em uma afastada e montanhosa região isolada de Oregon. Neste filme Kubrick foi representado pelo Timberline Lodge at Mt. Hood, local famoso pelo passado sangrento de genocídios indígenas.

Cena externa do Hotel Overlock de "O Iluminado"

Cena do Documentário "O Labirinto de Kubrick"(2012) que reforça teoria que o diretor queria falar sobre o genocídio dos nativos americanso.
O gerente do Hotel, um ator muito parecido com o ex-presidente Kennedy delega à Jack a incumbência de cuidar do hotel no período inativo, devido a fortes nevascas. Ele e a família, sua esposa e seu filho de cinco anos Danny ficariam isolados durante uma temporada de três a quatro meses. Da mesma forma que em The Lodge, o pai delega uma pessoa com problemas psíquicos para cuidar da casa e filhos, assim como em o Iluminado, o gerente do Hotel (alusão a um político) delega a um ex-dependente de bebidas alcoólicas e com passado de abuso e violência (a de ter agredido seu filho pequeno) a cuidar de um complexo Hotel, com possibilidades prováveis, devido ao longo período de isolamento, que Jack voltasse a beber e retomar seu comportamento agressivo, sem que nada pudesse proteger a criança, exceto a frágil e submissa esposa.

Cartaz do Filme documentário sobre o Iluminado, "O Labirinto de Kubrick"

Semelhança do ator Barry Nelson com John Kennedy, personagem de O Iluminado, reforçam o sub-texto político da obra-prima de Kubrick.
No documentário “O Labirinto de Kubrick” (Room 237 - 2012) de Rodney Ascher, vários críticos e pensadores elucubram diversas teorias secretas e subliminares que envolvem as reais intenções e mensagens de O Iluminado por Stanley Kubrick. Uma das mais coerentes e prováveis teorias seria sobre o interesse de Kubrick em trabalhar com mensagens subliminares, muito usadas no marketing publicitário. Realmente é comprovado que Kubrick se envolveu com pesquisa sobre estes ardis de signos encobertos e muitas das informações cifradas no filme estariam fortemente ligadas às revelações do passado controverso do diretor com a NASA, e a espetacular teoria que Kubrick tivesse dirigido o pouso dos astronautas da Apolo 11 nos estúdios ingleses, onde filmou sua obra prima “2001, Uma Odisséia no Espaço” (1968) tendo através de sutis cenas de diálogos, números, blusa de Danny e o quarto 237, feito uma confissão de que realmente havia realizado tal filme para o governo dos EUA. Além desta polêmica revelação Kubrick também fornece diversas pistas de que o romance de Stephen King seria usado como uma imensa metáfora política e crítica aos governos totalitários e imperialistas como os EUA e o Nazismo, ao fazer várias citações aos genocídios indígenas e ao holocausto dos judeus.

Kubrick sempre quis fazer um filme sobre o Holocausto Nazista e de certa maneira conseguiu incluir algumas ideias de forma subliminar em The Shining.
Nos anos 70, os diretores da Nova Hollywood, como Coppola em “O Poderoso Chefão”, “A Conversação” e “Apocalypse Now”; William Friedkin em “O Exorcista” e “O Comboio do Medo”, Lukas em “Star Wars”, Scorsese em “Taxi Driver” e Sidney Lumet em “Rede de Intrigas” tinham também revelado metaforicamente a ascensão do Império do Mal (EUA) que vinha de governos fascistas e genocidas como o de Lyndon Jhonson, Nixon, Carter e Ford (ataques genocidas a Vietnã, Camboja Timor Leste; apoio a ditaduras na América Latina, Linha Vermelha, Projeto Condor) e que eclodiria na política econômica neoliberal de Ronald Reagan e Margareth Tatcher. Monstros, psicopatas, neuróticos de guerra, demônios, gângsteres e ditadores da galáxia (Corleone, Travis Bickle, Darth Vader, Pazuzu) fariam par aos fantasmas da elite econômica do Hotel Overlock e Jack Torrance e seriam as aberrações do inconsciente. Representariam frutos de uma realidade política fascista que sempre retorna, assim como foi o movimento do Cinema Expressionismo Alemão, retratado por Krakauer no seu livro de “Caligari a Hitler”. O gerente do Hotel Overlock, encarnado pelo ator Barry Nelson, com imensas semelhanças físicas com John Kennedy, é acompanhado por uma figura sinistra monosilábica, meio que representando o real poder atrás dos governantes (CIA, FBI, Tea Party, corporações, congresso conservador) e não por acaso o ator é Barry Dennen, notório por fazer Pôncio Pilatos em “Jesus Cristo Super Star”, aquele que lava as mãos, mas numa bacia de sangue, para-fraseando Brecht.

Cena do filme usada no trailer de O Iluminado. O exagero do sangue remete aos genocídios indígenas e do Holocausto Nazista citados no filme de forma subliminar.

Cena de Jack Torrance (Magistral atuação de Jack Nicholson) e seu gradual enlouquecimento.
Fica evidente a metáfora política que delega o poder simbólico ao alcoólatra escritor medíocre Jack Torrance para gerenciar e cuidar do Hotel/Nação, apesar de que o zelador não faz absolutamente nada, a não ser escrever a mesma frase: ” All Work and no Play Makes Jack a Dull Boy” (tradução livre – “muito trabalho e pouco divertimento torna Jack um bobão”), na máquina de escrever da marca alemã Adler, que tem como símbolo uma águia parecida com a do estandarte nazista. Esta máquina faz parte de uma série de referências ocultas ao Holocausto da II Guerra, por meio das citações ao número 42 (ano do início do extermínio em massa dos judeus, 1942).

Máquina de escrever da marca alemã Adler, que tem como símbolo uma águia parecida com a do estandarte nazista.
Esta irresponsabilidade política dos donos do poder fica evidente na História em diversos períodos, como aconteceu com a Alemanha dos anos trinta, em que até os grupos econômicos como donos de Banco e Jornais, dirigidos por Judeus, apoiaram Hitler e seu séquito de nazistas, para combater o comunismo e a real possibilidade de ganharem as eleições. Assim como nos anos trinta, hoje vemos a ascensão do fascismo e neo-nazismo em diversos países como nova alternativa da Direita e do poder econômico, que apoiam e elegem políticos psicóticos e picaretas como Trump e Jair Bolsonaro.

Fantasmas da elite norte americana retratados por Kubrick em "O Iluminado"
A destruição do Estado, dos Direitos Trabalhistas, da política do Bem Estar Social e das Políticas Públicas, a instalação do Estado Mínimo são os estandartes do neoliberalismo e do neonazismo (diferente do nazismo que defendia o Estado Forte, apesar de beneficiar apenas a raça caucasiana). Encontramos estas aplicações nas metáforas dos recentes filmes como Bacurau, Parasita, “Você não Estava Aqui” (2019) e “Eu, Daniel Blake” (2016) de Ken Loach, e no espetacular filme de Todd Philips “Joker” (2019). Neste filme, o político neoliberal e milionário Thomas Wayne, interpretado por Brett Cullen, faz declarações como: “Os pobres e proletários são vagabundos e inúteis” ao sugerir que um deles poderia ser o responsável pelo assassinato de três yuppies no Metro de Gothan. Esta frase poderia ter saído bem da boca de Donald Trump ou Bolsonaro, tendo o último já dito uma vez que “pobre só tem utilidade na eleição, com o diploma de burro debaixo do braço”.

Thomas Wayne e Joker (Arthur Fleck)

A gradual loucura de Arthur Fleck (vítima do Estado Mínimo)
Em Joker, o personagem Arthur Fleck (Joaquim Phoenix) tem sérios problemas psíquicos e é dependente de medicação psiquiátrica, assim como a jovem Grace (Riley Keough). Arthur Fleck sofre de diários assédios morais e é abandonado pelo atendimento social público, seus remédios são cortados (Estado Mínimo) e seu problema mental cada vez mais agravado no desenrolar do filme. Já Grace, em “The Lodge”, sofre assédio moral e brincadeiras que desestabilizam seu estado mental, sua medição é escondida, atos cruéis das crianças que são confinadas com ela num local inóspito. Todos estes incidentes foram atos irresponsáveis de quem esta no poder, no caso o escritor e amante de Grace, Richard (Richard Armitage). Assim como Jack Torrance “O Iluminado”, Arthur Fleck “Joker”, Grace é fadada a loucura total e sem nenhum amparo. Os três foram colocados em situações limites, à deriva, a ponto de explodirem em atos de loucura e violência. A irresponsabilidade em colocar Hitler, Trump, Mussolini e Bolsonaro no poder é uma via política que só leva a destruição, genocídio e loucura. Como em uma celebre frase de Noam Chomsky “Precisamos do governo, como precisamos de uma jaula para nos proteger dos lobos”, mas nestes filmes e na circunstância política atual estamos literalmente na selva, e salve-se quem puder.

Cena que traduz o processo de enlouquecimento da jovem Grace.
Infelizmente o filme “The Lodge” peca por um roteiro mal desenvolvido. Nos filmes “O Iluminado”, “Joker”, “Parasita”, “Laranja Mecânica” ou “Clube da Luta” realizados de forma brilhante e ricos de detalhes que só são percebidos através de varias leituras e revisões, “The Lodge” naufraga na pobreza do desenvolvimento do arco narrativo da loucura. Faltaram diversos subsídios cênicos, signos subliminares, erros de continuidade propositais, que foram colocados pelos seus diretores nas cenas de plano e contra-plano. Assim como Todorov descobriu e organizou a interpretação literária do recurso do estranhamento, encontrado nos contos de Edgar Allan Poe, em que o narrador é louco ou prestes a ficar louco, o cinema que enfoca estes personagens deve também ter a acuidade de construir a narrativa da loucura com vários recursos disponíveis pela sétima arte, inaugurados na obra-prima “O Gabinete do Dr. Caligari” (1920) de Robert Wiene, que neste ano completa cem anos.

Cena com o personagem Cesare (Conrad Veidt) de "O Gabinete do Dr Caligari" (1920)
Filmes como Parasita, O Iluminado, Psicose, Pacto Sinistro e Joker são fiéis e dignos representantes de Caligari e a magistral e ilusionista forma de imergir o público na loucura, que também estamos próximos.
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